sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Jorge Salcedo – Entrevista (3)

Jorge Salcedo usando da palavra no congresso da IAAF em Beijing.
Foto: Lintao Zhang/Getty Images AsiaPac
5 - Qual a sua opinião sobre a evolução internacional da marcha nos últimos 20 anos, em especial a recente introdução da regra do chamado «pit lane»?

Falando apenas das Regras que gerem a marcha (o que creio era o objectivo da pergunta), eu diria que foram fundamentais as alterações que foram produzidas após o caso ocorrido nos Jogos Olímpicos de Sydney de 2000.

A reacção do COI foi (ao menos aparentemente) dura, muito por intervenção de um seu proeminente membro mexicano, com ameaças mais ou menos veladas de retirar a marcha do programa dos Jogos Olímpicos.

A IAAF decidiu nomear um grupo de trabalho que propusesse o que fazer para “responder” a algumas críticas que estavam a fazer à marcha, e que também permitisse manter a marcha nos Jogos. Por coincidência, o coordenador deste grupo era também mexicano, um bom amigo desde que ele foi DT nos Mundiais de Juniores de Lisboa, de seu nome César Moreno.

Fui convidado para integrar o grupo, muito provavelmente por ser o Presidente do Comité Técnico, e uma vez mais o digo, creio que o que foi apresentado terá resolvido o que era um problema. De qualquer modo, lembro-me bem como o COI fiscalizou a organização das provas de marcha dos Jogos de Atenas, mas parece que esta organização ficou satisfeita com as alterações introduzidas.

Não creio ser necessário relembrar o que foi introduzido nas Regras, quando estamos em presença de leitores amantes da marcha…., mas diria que houve duas alterações fundamentais. Pelo menos a primeira das Regras:

a) Um sistema muito mais eficaz de gestão e comunicação (muito particularmente aos atletas) dos cartões vermelhos (a designação era diferente à época);

b) O poder dado aos Juízes–Chefe para desclassificarem directamente um atleta nos últimos 100m (como foi generalizado há alguns anos), em caso de infracção clara das Regras relativas ao modo de progressão dos atletas. Esta desclassificação seria passível de apelo, e posteriormente, tornou-se obrigatória a presença de um Juiz Internacional de Marcha nos Júris de Apelo de competições em que se realizassem provas de marcha.

Esta segunda inovação (que por acaso foi mal aplicada, a primeira vez que, ao que sei, foi aplicada, saindo prejudicada a Susana Feitor) não teve a aprovação de todos da família da marcha, tendo alguns possivelmente entretanto mudado de opinião. Outros talvez ainda não.

Confesso que compreendendo, e até aceitando, a razão da necessidade desta intervenção do Juiz-chefe como alguém que possa desclassificar directamente um atleta, me parece que há uma certa ….timidez…(medo?) na aplicação desta Regra. Mas não sendo um Juiz de Marcha ….diplomado J ….talvez esteja errado.

Relativamente à nova Regra do “pit lane”….tenho de também confessar  que não fui ainda por ela (Regra) conquistado.

Não vejo razão para dar mais uma oportunidade a um atleta que tenha recebido um terceiro cartão vermelho, com o objectivo, ao que parece, de diminuir o número de desclassificações nas provas de marcha, tendo, como contrapartida, uma penalização que se expressa numa paragem durante um determinado período. E se calhar, também na “perturbação”, depois da paragem, no modo de progressão do atleta. Para além de obrigar a uma logística extra, associada à montagem e gestão da “zona de paragem” dos atletas com os 3 cartões vermelhos.

Mas pode ser que, “um dia destes”, mude de opinião.


6 - Que comentário lhe merece a alteração verificada recentemente na Associação Europeia de Atletismo no tocante ao enquadramento da marcha que deixou de ter uma comissão específica?

Devo iniciar a minha resposta a esta pergunta com a informação de que o Código de Ética da EA não me permite comentar decisões tomadas pela EA, estando eu de acordo, ou não, com elas. Muito particularmente se não estiver.

Posso, no entanto, partilhar convosco, porque é oficial, que foi decidido, por proposta do actual Presidente da EA, Svein Arne Hansen, para, como ele disse, se poder adaptar a organização da EA ao seu plano eleitoral de mudança, reestruturar as Comissões (algumas ex-Comités) existentes, mantendo-se as duas Estatutárias, apesar de com nomes diferentes (uma mais ligada as competições e a outra ao desenvolvimento), assim como a “Médica e Anti-Doping” e de “Atletas”, acrescentando-se outras duas, uma para lidar com temas do “Marketing e Negócios”, e outra denominada de “Comunicação Estratégica”.

Esta reestruturação implicou a descontinuação, como Comissão, de 6 anteriormente existentes, incluindo a de “Marcha”.

A ideia é de que os temas tratados pelas Comissões descontinuadas, o sejam por outros grupos. E eu diria, para começar, pelas Comissões agora existentes.

No entanto, está também prevista a formação de grupos de especialistas de determinadas áreas, que serão decididos pelas Comissões, e que reportarão a estas. Nisto, até é semelhante ao que acontecia antes. Com a diferença da designação do grupo, que nalguns casos pode passar de “comissão” a “grupo de especialistas”.

Será que a Marcha terá um grupo de especialistas que continue a tratar dos temas que lhe dizem respeito? Não o consigo garantir. A nova Comissão de “Eventos e Competições”, com novo coordenador, reunirá em fins de Setembro, e este (grupos de especialistas) é um tema da ordem de trabalhos! Saberemos então quais serão os grupos de especialistas que esta Comissão decidirá devam ser formados. Claro que relativamente à Marcha tenho a minha ideia, que defenderei durante esta reunião!

Jorge Salcedo foi reconduzido no cargo de presidente do Comité Técnico da Federação Internacional de Atletismo, numa equipa constituída por outros 17 elementos, a saber: Anna Palmerius (Suécia), Elena Orlova (Rússia), Krisztina Horvath (Hungria), Yukio Seki (Japão), David Katz (EUA), Tao Shui (China), Keith Davies (Grã-Bretanha), Pierre Delacour (França), Brian Roe (Austrália), Antonio Perez (Espanha), John Cronin (Irlanda), Luca Verrascina (Itália), Klaus Hartz (Alemanha), Garth Gayle (Jamaica) e David Weicker (Canadá). Não tendo havido candidatos de África e da América do Sul, foram incluídos, apresentados pelas respetivas estruturas, Aziz Daouda (Marrocos) e Julio Roberto Gomez (Colômbia).

A equipa do blogue "O Marchador" agradece a Jorge Salcedo a gentileza na concessão desta interessante e reflexiva entrevista, reafirmando os votos de felicidades e desejando um profícuo trabalho no desempenho das tarefas que o esperam!