Os pódios da marcha em Zurique-2014. Fotos: Ian Walton e Michael Steele (Getty Images), e Hagen Pohle. Montagem: O Marchador |
Concluídos os 22.os
Campeonatos da Europa de Atletismo, realizados em Zurique, na Suíça, vale a
pena fazer o balanço das três provas de marcha aí realizadas, assinalando para
cada uma os aspectos mais relevantes numa abordagem geral. Para amanhã fica
reservada a análise do desempenho dos marchadores portugueses.
13
de Agosto, 20 km masculinos
A primeira das provas
de marcha do programa dos europeus de Zurique confirmou Miguel Ángel López como
a grande figura da marcha espanhola do presente e do futuro próximo, revelando
todas as capacidades para dar continuidade aos campeões que a Espanha tem
apresentado desde que em 1978 Jorge Llopart se sagrou campeão europeu dos 50 km
em Praga. Depois de, em 2013, ter alcançado o segundo lugar na Taça da Europa
de Dudince e o terceiro nos mundiais de Moscovo, López era um dos favoritos nos
20 km de Zurique e não deixou os créditos por mãos alheias, relegando para os
lugares mais baixos do pódio precisamente os dois russos que no ano passado
tinham vencido aquelas duas provas: Aleksander Ivanov (campeão em Moscovo) e
Denis Strelkov (vencedor em Dudince).
A marca do espanhol
(1.19.44) não superou o recorde pessoal por 23 segundos, mas tal facto não tira
nenhum brilho ao sucesso do atleta de Múrcia, que, patenteando excelente
técnica, foi capaz de impor-se no momento decisivo ao trio que o acompanhou até
aos metros finais. Aliás, nesse aspecto, cabe salientar o elevado desempenho de
Ivanov e de Strelkov, bem assim como do ucraniano Ruslan Dmytrenko, que merecia
tanto uma medalha como qualquer dos colegas de prova que subiram ao pódio.
Nesta prova, alguns
dos mais jovens participantes demonstraram que vem aí uma geração que há-de
causar furor no mundo da marcha dos próximos anos. Aleksander Ivanov, no
segundo ano de sénior, é um deles, mas também os outros dois espanhóis (Álvaro
Martín, 6.º, e Luís Alberto Amezcua, 10.º) e o alemão Hagen Pohle (15.º), ainda
que este último pareça mais demorado na afirmação no escalão mais elevado.
14
de Agosto, 20 km femininos
A vitória da russa
Elmira Alembekova veio confirmar a parte do favoritismo que poderia ser-lhe
atribuída à partida. De resto, entre as atletas presentes em Zurique que tinham
alinhado também na Taça do Mundo de Taicang, Alembekova era a que tinha obtido
melhor classificação, com o terceiro lugar, atrás da compatriota Anisya
Kirdyapkina (ausente por doença) e da chinesa Hong Liu (que não é europeia,
está claro).
Mas a tarefa de
Elmira Alembekova não foi nada fácil, dada a resistência que teve de enfrentar
até perto do final, sobretudo da parte da checa Anežka Drahotová e da ucraniana
Lyudmyla Olyanovska. Drahotová acabaria ultrapassada na luta pela medalha de
prata e Olyanovska confirmava com o segundo lugar o excelente desempenho da
Taça do Mundo, em que fora sétima.
Estas duas atletas
são também elas garantias de um futuro de grande qualidade da marcha feminina
europeia. Anežka Drahotová só em 2015 ascenderá a sénior depois de uma
brilhante carreira de júnior (e juvenil) recheada de títulos e recordes
europeus e mundiais do escalão, a que se juntaram fabulosas classificações em
campeonatos absolutos (e não só de marcha, como se sabe); Lyudmyla Olyanovska
entrou há já ano e meio no escalão superior, mas continua a ser uma muito jovem
atleta que por certo não deixará de dar grandes alegrias desportivas à Ucrânia.
Já a sair das sub-23, Antonella Palmisano também terá cartas a dar em matéria
de juventude, mas por agora tem de assistir à ascensão meteórica de outra
italiana, Eleonora Anna Giorgi, quinta na Taça do Mundo e também neste
campeonato europeu.
15
de Agosto, 50 km
Os 50 km marcha foram
uma das grande provas destes europeus de Zurique e o seu vencedor, Yohann
Diniz, foi seguramente o atleta que alcançou o maior feito. Desde logo, por ter
batido de forma inesperada um recorde mundial que, naquelas condições
atmosféricas, poucos se atreveriam a prever que pudesse cair. Depois, porque o
fez por uma diferença muito significativa, retirando um minuto e 41 segundos ao
máximo que estava na posse de Denis Nizhegorodov desde há seis anos. Ainda por
uma terceira razão: conseguiu bater um recorde mundial terminando cheio de
energia e depois de ter parado durante uns bons dez segundos a cerca de 150
metros da meta para pedir aos elementos da mesa de abastecimento de Portugal
uma bandeira do país dos seus avós. E se quisermos uma quarta razão podemos
invocar o facto de Yohann Diniz ter alcançado um insólito terceiro título
europeu consecutivo em provas de marcha.
O novo melhor registo
mundial dos 50 km foi o culminar de uma prova também ela quase tão emotiva como
a dos 20 km masculinos. Os russos Ivan Noskov e sobretudo o mais jovem Mikhail
Ryzhov fizeram grande parte das despesas da prova, em especial nos primeiros
dois terços da competição. Com acelerações e desacelerações, colagens,
descolagens e recolagens entre os atletas da frente, o desfecho da prova foi
sendo uma incerteza. Mesmo quando, por volta dos 35 quilómetros, Diniz se
isolou definitivamente, ninguém poderia afirmar que o vencedor estava
encontrado naquele momento. Perceber-se-ia depois que nada haveria a fazer e
que as derradeiras voltas do francês mais não eram do que uma cavalgada para
aquela fantástica marca final.
Para os quatro
primeiros, verdadeiro quarteto de heróis de uma prova disputada em condições
adversas, as marcas foram de grande qualidade, não sendo vulgar encontrar um
tão bom e tão grande conjunto de marcas (quatro) abaixo das 3.40 h. Mais
impressionante foi verificar que uma das maiores figuras da marcha mundial, o
eslovaco Matej Tóth, bateu largamente o recorde do seu país com 3.36.21 h,
marca que há pouco mais de dez anos seria recorde mundial mas que, apesar
disso, em Zurique não chegou para evitar que o seu autor terminasse a prova com
quase quatro minutos de atraso do vencedor.
Conclusão
Apesar da estreiteza
dos circuitos escolhidos e da existência de carris a dificultar a progressão
dos atletas, Zurique proporcionou três grandes espectáculos de marcha atlética
levados a cabo no centro da cidade, protagonizados por marchadores da melhor
qualidade, eles próprios do melhor que estes europeus de atletismo puderam
apresentar ao mundo. Uma demonstração da vitalidade da marcha atlética e da sua
capacidade para atrair público para as competições. Os europeus de Zurique
vieram também confirmar que a Europa dispõe de um conjunto de jovens
marchadores prontos para receber o testemunho da actual geração e conservar
para a Europa um papel de protagonismo na cena da marcha mundial.
Resta esperar que os
resultados obtidos, os títulos conquistados e as medalhas distribuídas não
venham no futuro a ser objecto de reajuste por via de qualquer descoberta
desagradável.