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Uma semana antes, a Associação
Internacional de Federações de Atletismo anunciou que Bielorrússia, Etiópia,
Marrocos, Quénia e Ucrânia vão estar sob vigilância apertada por se considerar
que estes países precisam de aperfeiçoar os respectivos sistemas de controlo de
dopagem, forma eufemista de dizer que têm sistemas em que não se pode confiar.
Nos últimos dois anos (grosso modo),
a Rússia foi abalada por uma sequência inusitada de suspensões de atletas
devidas a dopagem. O grande urso está suspenso das grandes competições
internacionais de atletismo e corre o risco de não participar nos próximos
Jogos Olímpicos. Na rede foram apanhados vários marchadores campeões olímpicos,
mundiais e europeus que, em vários casos, têm quase cumpridas as respectivas
sanções, aprestando-se, por isso, para retomar a actividade competitiva
(curiosamente, nunca deixaram de treinar-se nos mesmos sítios que antes, com os
mesmos técnicos e possivelmente seguindo os mesmos métodos de outrora).
Há poucos dias foi conhecida a notícia
da erradicação do treinador Viktor Chyogin, que para muitos é o responsável não
apenas pelo centro de treino de marchadores que ostenta o seu nome, na
Mordóvia, mas também pelos métodos de treino aí seguidos e não compagináveis
com as normas antidopagem internacionais.
O escândalo do «doping» na Rússia é
um dos maiores do género desde sempre e pode ser consequência de um sério
empenho na luta internacional pela verdade desportiva. Mas pode também ter o
perigo de se estar a usar o caso russo para esconder outros similares,
eventualidade para a qual já por várias vezes «O Marchador» alertou.
Em todo o caso, parece que algumas
dúvidas começam a poder esclarecer-se, seja em relação aos países mencionados
mais acima, seja em relação a outros, seja mesmo em relação a casos isolados de
indivíduos (não só atletas, longe disso) com responsabilidades importantes em
processos de dopagem que têm passado entre os pingos da chuva.
Aqui chegados, importa reavivar
memórias mais descuidadas para aqueles casos de que se aguarda desenvolvimento
mas que parece estarem a ser deixados na sombra. Por exemplo, não se percebe
muito bem o que foi feito em relação ao caso dos marchadores russos que há
pouco mais de um ano foram descobertos a participar em competições (nos papéis
de atletas, treinadores e dirigentes) enquanto cumpriam suspensões por dopagem.
Depois de desmascarados, ainda se atreveram a tentar disfarçar os factos,
procurando convencer o mundo desportivo de que a verdade não era o que parecia,
quando afinal tudo estava bem à vista e só não via quem não queria ver.
Em meados de Março ficou a saber-se
que em Itália se trabalha afincadamente para que Alex Schwazer regresse à
competição o mais rapidamente possível. E já nos mundiais de selecções de Roma,
se puder ser, para mais tarde chegar aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Apesar de estar a cumprir suspensão de três anos e nove meses por análise
positiva de EPO e desconformidades no passaporte biológico e de aguardar
decisão da Justiça italiana que pode ter consequências sobre a legitimidade do
título europeu de 20 km de Barcelona-2010, Alex Schwazer realizou um teste a 13
de Março com o intuito anunciado de obter informação sobre o actual estado de
forma do atleta, tendo em conta a intenção de regresso à actividade competitiva
no final da referida suspensão, que termina em 29 de Abril de 2016. Contando com
o beneplácito da Federação Italiana de Atletismo (Fidal), o teste decorreu num
percurso definido na estrada fronteira ao centro de produção da Radiotelevisão
Italiana (Rai) em Saxa Rubra, próximo de Roma, teve a colaboração do diretor
técnico para as selecções nacionais, Massimo Magnani, e do conselheiro de
marcha Antonio La Torre e foi acompanhado pelos juízes de marcha Davide
Bandieramonte e Giovanni Ferrari.
Naturalmente cabe perguntar: como é
possível um atleta suspenso estar a receber apoio técnico precisamente da
entidade que deve zelar pela eficácia das decisões sancionatórias?
Ora, toda esta questão assume outras
proporções, com a perspectiva de regresso à alta competição de atletas que se
alcandoraram aos mais altos píncaros (entenda-se: foram campeões olímpicos).
Atletas que os adeptos se habituaram a considerar, a respeitar, mas que depois
se revelaram imerecedores desse reconhecimento, precisamente porque tinham
construído um sucesso desportivo assente na mentira e no engano.
Como se o problema não fosse já
muito grave, os contornos com que agora se desenha dão-lhe uma configuração
ainda mais macabra quando se começa a perceber uma estranha promiscuidade entre
esses atletas, por um lado, e, por outro, dirigentes, treinadores ou juízes com
altas responsabilidades nacionais ou internacionais. Foi notícia há poucos dias
que um ex-alto dirigente olímpico italiano com responsabilidades precisamente
na área da luta contra a dopagem (também colaborador durante uma década da
Agência Mundial Antidopagem) se afastou de outros compromissos para colaborar
nesse processo de regresso de Schwazer à competição, sendo agora o seu
treinador pessoal.
Ou seja, aqueles que deveriam
preservar a verdade desportiva e manter as instituições acima de qualquer
suspeita são os que, pelo menos aparentemente, estão a ajudar os batoteiros a
voltar à actividade em que se notabilizaram – sem respeito pelos mais
elementares princípios éticos do desporto.
A luta contra a batota (e a dopagem
é apenas uma forma que a batota assume) não será ganha de um dia para outro.
Ninguém sabe, até, se alguma vez será totalmente vencida. Mas, entretanto,
convém não esquecer que há interesses que se escondem e que se aproveitam da
distracção dos incautos.