Imagens: IG Yohann Diniz e Federação Francesa de Atletismo Montagem: O Marchador |
Os marchadores franceses manifestaram-se surpreendidos e revoltados com a exclusão da marcha atlética dos Campeonatos de França de Atletismo de Elite em pista coberta, anunciada recentemente pela Federação Francesa de Atletismo (FFA). Os campeonatos terão lugar em Aubière, nos arredores de Clermont-Ferrand, a 18 e 19 de fevereiro, e o programa divulgado não inclui as habituais competições de marcha de 3000 m femininos e 5000 m masculinos (nem de provas combinadas), decisão alegadamente tomada sem considerar a opinião dos interessados, a começar pelos atletas, mas também treinadores e dirigentes da disciplina.
O assunto começou a dar polémica quando alguns atletas divulgaram a informação nas redes sociais, considerando-a incompreensível, sobretudo por ter sido garantido pouco tempo antes pela FFA que as provas de marcha seriam mantidas no programa dos campeonatos de elite. Além disso, a reprovação da ideia de exclusão tinha sido geral entre os marchadores franceses daquele nível competitivo e outros «especialistas do terreno».
Segundo divulgado pelo diário desportivo «L'Équipe» na edição de 24 de janeiro, a decisão de passar a marcha para uns Campeonatos de França de Provas Combinadas e Marcha, a 11 e 12 de fevereiro em Val-de-Reuil, terá sido ratificada numa reunião federativa a 8 de novembro, mas entrando em contradição com as informações transmitidas poucos dias antes aos atletas pela Comissão Nacional de Marcha, que tinha garantido estar fora de questão o afastamento das provas da disciplina dos Campeonatos de Elite.
O jornal acrescentava que, nesse início de Novembro, a Comissão Nacional de Marcha era presidida por Dominique Plée, que se demitiria poucos dias mais tarde, sendo substituído por Maryse Breton, surgindo então a deliberação federativa de exclusão da marcha.
Questionado em meados de Janeiro pelo mesmo diário desportivo sobre a exclusão da marcha atlética dos Campeonatos de Elite, o presidente da FFA, André Giraud, respondia afirmando que iria haver um campeonato de França de elite em pista coberta, integrado num programa envolvendo todas as categorias da disciplina, em conjunto com as provas combinadas. E acrescentava que o objectivo era o de reunir toda a família da marcha num mesmo local.
Em sentido semelhante manifestou-se o diretor técnico nacional, Patrick Ranvier, que se queixou de incompreensão e afirmou existir a vontade da federação de atrair mais atenção para a marcha, juntando as famílias da disciplina numa manifestação comum. «Isto não é para aborrecer os marchadores, sobretudo porque a federação considera a marcha um sector em franco crescimento», declarou, depois de ter sublinhado que a marcha atlética já não conta para as competições internacionais de pista coberta.
As reacções dos marchadores franceses não se fizeram esperar e revelaram-se num repúdio uníssono da decisão federativa.
O recordista mundial dos 50 km, Yohann Diniz, afirmou não compreender como se retira as bases a uma geração como a que a marcha francesa tem actualmente. «Os resultados falam por si, tanto entre os marchadores seniores como nos mais novos. Estão a tirar-lhes as únicas duas competições com visibilidade em França, os campeonatos de elite de pista coberta e ao ar livre, nos quais se junta o atletismo no seu conjunto. Desde que me afastei, a nossa disciplina tem sido alvo da maior injustiça», afirmou, lembrando que o problema que agora se sente na pista coberta envolve também os campeonatos absolutos de Verão.
Aurélien Quinion afina pelo mesmo diapasão e procura explicação para a decisão da federação. «Nos campeonatos de elite de pista coberta, as provas de marcha já eram muitas vezes marcadas para a jornada de domingo, por volta do meio-dia, a par das provas combinadas, quando ainda há muito pouca gente nas bancadas, portanto, nem pode dizer-se que a marcha aborreça muito», comenta, para de seguida se manifestar, apesar de tudo, pouco surpreendido com a exclusão: «Por um lado, estamos numa época em que se valoriza os desportos da moda e do espectáculo televisivo. E percebemos que a noção de 'show' é o critério da federação. Por outro, o que mais me incomoda e desaponta é que a minha federação, que devia estar na primeira linha da defesa dos seus atletas e das suas disciplinas, está a contribuir para o desaparecimento da marcha.»
Único marchador francês nos últimos mundiais de atletismo, em Eugene (EUA), Quinion considera que «a marcha faz parte do atletismo e onde estiver o atletismo tem de estar a marcha». E conclui lembrando que, em França, a marcha nórdica e a marcha atlética contam com mais de nove milhões de praticantes, sendo por isso o terceiro desporto mais praticado pelos franceses.
Kévin Campion lembra, por sua vez, que muitos marchadores se treinam durante todo o Inverno para poderem participar nos campeonatos de elite de pista coberta. Defendendo que os marchadores devem estar disponíveis para ouvir as razões federativas, devendo uns e outros estar prontos para dialogar, assinala que, no seu caso concreto, foi num campeonato de elite que conheceu o momento atlético mais extraordinário: «O maior momento que vivi foi nos campeonatos de elite de 2016, em Angers. A prova foi disputada à tarde e estava um ambiente de loucura no relvado e nas bancadas que nos incentivava. É para viver momentos como esse que nos treinamos e, se nos tirarem isso, sabendo que muitas vezes treinamos sozinhos, ficamos a perguntar-nos se vale a pena continuar.»
Gabriel Bordier é mais direto e encara a decisão da Federação Francesa de Atletismo como um golpe contra a marcha. «Não sei porque fazem isto. É um golpe no moral [dos marchadores], dando a impressão de que a marcha é uma disciplina menor, em relação às outras», afirma. E considera também incompreensível a alternativa proposta pela federação de uns campeonatos de marcha de todas as categorias, dado não lhe parecer razoável misturar seniores com atletas mais jovens.
A um ano e meio dos Jogos Olímpicos de Paris, não era certamente de constrangimentos desta natureza que os marchadores franceses precisavam. Com os sucessos que a marcha de França alcançou no plano internacional nos últimos anos através dos seus maiores expoentes, a aproximação dos Jogos Olímpicos «em casa» afigura-se como uma grande oportunidade para o enriquecimento e o crescimento da disciplina nos diferentes planos de competição, organização e formação. Por agora, parece que está a impor-se o afastamento da marcha em relação à família global do atletismo. Poderá o bom senso prevalecer?