Depois de desembaraçar-se de Érica de Sena, Ana Cabecinha foi em busca da melhor classificação olímpica da marcha portuguesa. Foto: Jeff Salvage |
A participação portuguesa nas provas
de marcha atlética dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro teve desde logo um
mérito relevante: o de igualar o maior contingente de marchadores portugueses
em Jogos Olímpicos, com sete atletas e oito participações (2 nos 20 km
masculinos, 3 nos 50 km e 3 nos 20 km femininos). Igual quantidade de atletas
tinha sido registada em Pequim-2008, sendo que dessa vez ficava de fora uma
quarta atleta com mínimos na prova feminina, Vera Santos, atleta que no Rio
voltou a ficar de fora, tal como Susana Feitor, ambas com mínimos mas sem vaga
na equipa de 2016.
O Rio de Janeiro conheceu ainda na
equipa portuguesa de marcha a estreia olímpica de dois atletas jovens: Miguel
Carvalho (20 km masculinos) e Daniela Cardoso (20 km femininos), ele ainda sub-23,
ela saída há não muito tempo desse subescalão dos seniores (tem ainda 24 anos).
Mantendo uma honrosa tradição que
conta já 20 anos, Portugal saiu destes Jogos da XXXI Olimpíada sem marchadores
desclassificados, desaire que aconteceu apenas (mas em dose tripla) nos Jogos
de Barcelona, em 1992. Daí para cá, o pior que tem acontecido são as
desistências.
O programa da marcha olímpica do Rio
de Janeiro teve início a 12 de Agosto, com os 20 km masculinos, onde alinhavam
João Vieira e Sérgio Vieira, atletas que se apresentavam creditados com marcas
da época mais equilibradas do que as registadas na prova olímpica. João Vieira
detinha à partida como melhor do corrente ano 1.22.34 h, enquanto o irmão
Sérgio averbara 1.25.11 h. Naquela que foi a prova menos fustigada pelas
condições atmosféricas (21ºC de temperatura, para 60% de humidade relativa),
João acabaria com 1.23.03 h (31.º) e Sérgio chegaria à meta com 1.27.39 h
(53.º).
Prudente como sempre, João Vieira
iniciou a prova com cerca de 4.10 m por quilómetro, melhorando depois para
menos de 4.05 m. Por aí se manteve até cerca dos 16 quilómetros, para cumprir
os quatro quilómetros finais de forma claramente mais lenta, perdendo cerca de
um minuto nessa fase.
Sérgio ainda rodou a ritmos de 4.10
a 4.18 minutos por quilómetro até meio da prova, mas na segunda metade decaiu
de forma visível, para quilómetros entre 4.30 e 4.45 minutos, recuperando um
pouco nas voltas finais, ligeiramente acima de 4.35 m.
João acabou longe do 10.º lugar de
Atenas-2004 e do 11.º de Londres-2012, mas melhor que o 32.º lugar de
Pequim-2008, ao mesmo tempo que não melhorava a marca olímpica de Londres
(1.20.41) mas superava a 1.25.05 h de Pequim. Quanto a Sérgio, que tinha
participado apenas na edição dos Jogos da capital chinesa (45.º, 1.29.51),
melhorou agora a marca mas baixou a classificação.
Uma semana depois, dia 19, a manhã
carioca ofereceu ao público do Pontal os 50 km, prova com 80 participantes em
que alinhavam João Vieira, Pedro Isidro e Miguel Carvalho. O primeiro repetiu
cerca dos 10 quilómetros a desistência de Londres, desta vez por problemas de
saúde.
Restavam Pedro Isidro e Miguel
Carvalho, este na condição de mais jovem marchador da delegação portuguesa e
estreante nas lides olímpicas. O mais velho dos dois benfiquistas começou a
competição a rodar para menos de quatro horas de marca final mas ainda antes de
meio da competição já essa referência estava comprometida, com uma perda de
ritmo que, não sendo demasiado evidente, não deixava de representar uma perda
de um minuto entre os 10 e os 20 quilómetros.
A situação agravou-se com os
problemas gástricos que deitaram tudo a perder com a entrada na segunda metade
da prova. Pedro Isidro terá feito pelo menos duas paragens que, apesar de tudo,
tiveram uma vantagem: aliviaram o atleta e deixaram-no livre para cumprir em
grande estilo as voltas finais. Em tão grande estilo que foi um dos mais
rápidos nos 10 quilómetros derradeiros, que cumpriria em 45.53 minutos e onde
só sete outros atletas conseguiram melhores parciais. Um restabelecimento que
lhe permitiria subir muitos lugares na classificação até chegar ao 32.º posto,
ainda assim melhor que o 37.º lugar de Londres, mas com marca mais fraca
(4.03.42, contra 3.58.59 na capital britânica).
Miguel Carvalho revelou plena
consciência das condições que o dia do Rio de Janeiro oferecia e fez uma prova
cautelosa. A meio da competição era mesmo o português melhor classificado,
ganhando lugares praticamente em cada volta. Assim foi seguindo até cerca dos
35 quilómetros, momento em que surgiu a quebra que levou o rio-maiorense para
ritmos acima dos cinco minutos por quilómetro, numa desaceleração que, ainda
assim, não comprometeu o lugar que ocupava no início do último terço da prova:
o 36.º posto em que acabaria, a mesma classificação de José Magalhães em
Atlanta-1996, mas com uma marca (4.08.16) que é a 7.ª entre 15 presenças
portuguesas na distância mais longa do programa olímpico do atletismo.
No mesmo dia, ao início da tarde,
com a mesma temperatura (24ºC) e a mesma humidade (77% a 80%) da prova matinal
do homens, os 20 km femininos apresentavam três portuguesas entre as 74
concorrentes à partidas: as experientes Ana Cabecinha e Inês Henriques e a
estreante Daniela Cardoso.
Ana e Inês marcariam desde cedo uma
posição no grupo das primeiras, mostrando estar nos Jogos para obterem as
melhores classificações olímpicas de cada uma. Só à entrada para a segunda
metade da competição Inês Henriques começou a ceder, mas nunca comprometendo
uma boa classificação dado ter-se mantido pelos 11.º e 12.º lugares. Ana
Cabecinha cederia mais adiante, ficando pelos 6.º / 7.º lugares, ora
atrasando-se das da frente, ora recuperando e recolando. Até à definição final
das posições, com Ana Cabecinha a melhorar dois lugares o oitavo posto
conseguido em Pequim-2008 e em Londres-2012, agora com 1.29.23 h, enquanto Inês
Henriques, 12.ª com 1.31.28 h, melhorava o 14.º lugar de Londres-2012 mas não a
marca aí realizada (1.29.54).
Lá mais para trás, Daniela Cardoso
conseguia uma boa subida na classificação com o passar das voltas. Iniciaria a
prova aí pelos sexagésimos lugares, rodando quase sempre entre 4.44 e 4.51
minutos por quilómetro. Uma excelente regularidade que permitiu cortar a meta
num bom 37.º lugar, naturalmente sem as aspirações das consagradas colegas de
equipa mas revelando um excelente controlo da condição em que se apresentava em
prova.
Sendo facto que nenhum dos
marchadores portugueses conseguiu no Rio de Janeiro bater recordes pessoais,
não é menos importante assinalar que poucos foram os atletas que conseguiram
tal objectivo. Num total de 228 concorrentes nas três partidas, foram registadas
as classificações de 175 atletas, com apenas 13 recordes pessoais (dos quais 5
eram recordes nacionais). Trata-se de uma taxa de máximos pessoais muito abaixo
do que é costume em grandes competições internacionais, o que atesta as
difíceis condições que os marchadores tiveram de enfrentar no Rio de Janeiro.
Após estes Jogos, o total de
marchadores olímpicos portugueses sobe para 19 atletas (12 homens e 7
mulheres), totalizando 43 participações em provas. Foram registadas três
desclassificações (todas em Barcelona-1992) e quatro desistências, havendo seis
classificações nos dez primeiros lugares.