Montagem: O Marchador |
A Associação de Atletismo de Lisboa (AAL) emitiu no dia 1 de Abril de 2024 um comunicado de clarificação sobre os campeonatos regionais de marcha. O documento foi emitido em nome da direcção e remetido pelo gabinete técnico da AAL, com distribuição pelos filiados.
A nota de clarificação informa que as provas de marcha dos campeonatos regionais de cada escalão são recalendarizadas para duas datas: em 21 de Abril, as provas para masculinos e femininos de benjamins A a juvenis (sub-18); no dia 9 de Junho, as provas de juniores sub-23, seniores e veteranos, também para masculinos e femininos.
O autor da informação achou oportuno fazer um parágrafo introdutório esclarecendo que houve «inúmeras jornadas realizadas durante o inverno», a participação nas provas de marcha foi escassa, a AAL está «convicta de que todos os intervenientes tenham trabalhado para fazer crescer o setor», pelo que decidiu «efetuar os campeonatos regionais de marcha dos escalões citados em dois momentos, por forma a ter uma competição mais participada e motivante, quer para atletas, quer para o público».
Este enquadramento suscita, desde logo, alguns comentários. Por um lado, estranha-se que surja no princípio de Abril uma alteração ao calendário sem que nada obrigasse a essa opção. De resto, trata-se de uma alteração datada de menos de três semanas antes da primeira data da nova calendarização anunciada para as provas em questão. Seria de supor que tivesse sido identificado algum problema imprevisto e insanável, que, por isso, tivesse obrigado a uma alteração inopinada e urgente, introduzida a meio da época no calendário existente. Mas não: apenas se indica um conjunto de circunstâncias mais ou menos subjectivas para fundamentar a decisão (muitas jornadas, poucos participantes, muito empenho de todos etc.).
O número de jornadas e de participantes é dado objectivo, mas já é subjectivo classificá-lo como muito ou pouco. As jornadas foram «muitas» na opinião de quem? O número de participantes ficou «aquém do desejado» na opinião de quem? A partir de quantos participantes se consideraria suficiente a presença de atletas? O que foi feito, de facto, para que houvesse maior participação (desde logo pela AAL)?
Além disso: os interessados foram ouvidos? Os clubes foram auscultados? Ou será que se tratou de mero impulso deliberatório do gabinete técnico da AAL, porventura em articulação com a direcção, ao arrepio dos bons princípios de não alterar as regras a meio do jogo? Convém não esquecer que o calendário de provas faz parte das normas de competição, não são mero instrumento administrativo de distribuição de provas pelo ano. Alterar o calendário a meio da época corresponde a mudar as regras quando o jogo já está em curso.
Num segundo nível de análise pode começar por reflectir-se acerca de outras questões. O procedimento de contabilização de jornadas e de participantes nas provas de marcha foi desenvolvido apenas no que se refere a esta disciplina específica (marcha atlética) ou incidiu também nas restantes disciplinas do atletismo? A separação das provas de marcha dos campeonatos regionais de atletismo de cada escalão, para serem realizadas fora do contexto desses campeonatos, atingiu apenas a marcha ou afectou outras disciplinas? A que modelo de organização da época competitiva corresponde a decisão agora divulgada pela AAL? Que reflexão foi feita para que se chegasse a esta decisão (pelos vistos, premente) de alterar de imediato (em Abril) o calendário da época?
Uma coisa é certa e não carece de perguntas para ser percebida: com esta nova formulação dos campeonatos regionais de atletismo de Lisboa de cada escalão (desde os benjamins aos veteranos), os marchadores que desejem alinhar nos campeonatos do respectivo escalão ficam impedidos de participar com os atletas da mesma idade e de outras especialidades, sendo relegados para dois conjuntos de provas (21 de Abril e 9 de Junho) que ninguém percebe se resolvem algum problema.
Quando a AAL levar a efeito os campeonatos regionais de atletismo de cada escalão, as provas de marcha (e os marchadores) já lá não estarão, por terem sido atiradas para outros contextos competitivos.
Em conclusão e salvo melhor esclarecimento, parece que se desejou eliminar as provas de marcha do calendário competitivo do atletismo global da AAL - sempre que houver atletismo organizado pela AAL de Abril até ao fim da época não haverá marcha incluída nos programas de atletismo. Ou seja, remeteu-se a marcha para uma espécie de clandestinidade mal assumida, um gueto, retirando-lhe o lugar ao lado das outras disciplinas. Ou será que existem outras razões menos confessáveis para o anúncio feito neste comunicado apresentado como «clarificação»?
Para o melhor e para o pior, a AAL tem sido uma referência para a marcha desde a reimplantação da disciplina em Portugal, em 1974, incluindo, por exemplo, através da criação pioneira de um painel regional de juízes de marcha. Mas, nos últimos anos, não se conhece qualquer iniciativa no sentido da valorização da marcha atlética, ao contrário do que parece resultar do já referido esclarecimento introdutório do comunicado de clarificação.
E, a propósito, vale a pena ter em conta que, por definição, uma «clarificação» serve para dar esclarecimento sobre algum assunto que não esteja claro, precisando, por isso, de explicação. Ora, o que o documento da AAL de 1 de Abril veio fazer não foi uma «clarificação» (não veio explicar coisa nenhuma), mas sim dar a informação (pura e simples) de que a AAL tinha tomado uma decisão unilateral de alterar o calendário regional da época em curso.
No dia 21 de Abril já teve lugar o primeiro momento de junção de alguns escalões de marcha (benjamins a juvenis) para a distribuição de títulos de campeão. E o processo parece não ter corrido da melhor maneira. O programa teve início às 14h00 de um dia marcado pelo calor; houve provas que foram realizadas em regime misto (masculinos e femininos em pistas conjuntas), contrariando o dispositivo normativo e as boas práticas para efeito de reconhecimento de resultados; numa tarde de canícula, a disponibilização de água aos participantes (refrescamento) ficou esquecida até pelo menos os 20 minutos de prova – ou seja, quando foi fornecida água, já pouca falta fazia.
Maus prenúncios, portanto, para o sucesso da decisão da AAL divulgada no tal comunicado de clarificação.