Susana Feitor. Foto: Maior tv |
Foi um caso
entre vários ocorridos na marcha portuguesa ao longo de 2014, podendo ficar
como uma das decisões de maior gravidade tomadas pela Federação Portuguesa de
Atletismo (FPA), num ano inusitadamente mau no que se refere a decisões no
âmbito desta disciplina. Mas o «caso» Susana Feitor assumiu um significado
especialmente negativo ao atingir uma das figuras mais respeitadas e de maior
prestígio na história da marcha atlética em Portugal.
Susana
Feitor foi uma das quatro atletas a alcançar os mínimos A para os 20 km
femininos dos europeus de Zurique. Fê-lo em Taicang, na China, durante a Taça
do Mundo de Marcha, e com nada menos que a sua melhor marca na distância desde
2005: 1.28.51 h. Conjugados os vários parâmetros dos critérios de selecção, o seleccionador
entendeu que seriam escolhidas Ana Cabecinha, Vera Santos e Inês Henriques para
os 20 km femininos dos campeonatos da Europa, enquanto Susana Feitor iria
representar Portugal nos 10 mil metros marcha femininos dos Campeonatos
Ibero-americanos de São Paulo.
Havia,
contudo, um dado que estava por jogar: Vera Santos encontrava-se lesionada e,
não tendo recuperado a tempo, acabou por não integrar a selecção para os
europeus. E quando tudo fazia supor que Susana Feitor iria ser chamada para
preencher a vaga (para a qual tinha mínimos A), eis que da FPA surge a decisão
de que a marchadora de Rio Maior não teria lugar na equipa nacional para
Zurique. Como explicação foi dito que Susana Feitor se tinha preparado para os
dez quilómetros dos ibero-americanos e que quem tivesse sido seleccionado para
São Paulo já sabia que não iria a Zurique. Fazendo fé nesta «justificação»,
faltaria perguntar se, perante situações imponderáveis, não poderia haver
decisões agilizadas de forma a eliminar ou pelo menos diminuir o prejuízo dos
imprevistos.
Desta forma,
sem se descortinar a lógica de não se proceder a uma substituição quando ela se
impunha, Susana Feitor ficou impedida de competir na mais importante prova
europeia do ano, não podendo assinar a quinta presença em europeus, uma das
quais resultara em subida ao pódio. Ao mesmo tempo, a FPA assumia uma atitude
que no mínimo tem de ser considerada como inadmissível desconsideração (para
não dizer falta de respeito) para com uma das figuras de maior vulto do
desporto português, uma das desportistas que mais têm contribuído para o
prestígio de Portugal pelo mundo fora e que, nas circunstâncias, reunia todas
as condições necessárias para ser incluída na selecção para os campeonatos da
Europa. Atitude incompreensível que levou, de resto, a marchadora a pedir a
demissão do cargo que ocupava na direcção da federação.
Pela carga
simbólica resultante de ter sido aqui visada a atleta em questão, o «caso»
Susana Feitor fica ainda como momento que representa um conjunto de outras
decisões negativas da FPA, fazendo de 2014 o ano de maior quantidade de
atitudes nefastas tomadas pela estrutura federativa em relação à marcha
atlética. Relembre-se os seguintes casos: a alteração dos critérios de selecção
nos 50 km para a Taça do Mundo de Marcha de Taicang poucos dias antes dos
campeonatos nacionais de Quarteira; a violação dos critérios de selecção na
escolha de atletas para os 20 km masculinos para a mesma taça do mundo; a
impensável imposição de prova suplementar de 20 km para selecção (ou «desempate»...)
de Susana Feitor ou Inês Henriques com vista aos europeus de Zurique (quando
ainda não havia o problema da lesão de Vera Santos); a não inscrição de uma
atleta, Carolina Costa (do Oriental de Pechão), para o torneio europeu de
apuramento para os Jogos Olímpicos da Juventude, sabendo-se que a marchadora de
Olhão reunia boas possibilidades de apurar-se para aqueles Jogos.
Toda esta
série de decisões, encimada pelo sucedido com Susana Feitor, constitui uma
situação que, na globalidade, desprestigia a FPA, a aparentar desnorte no que
ao tratamento da marcha atlética se refere, como, de resto, recentemente voltou
a confirmar-se com a inqualificável decisão (que felizmente parece revogada) de
pôr fim aos nacionais de 50 km marcha. Era difícil fazer pior. E era também
difícil escolher outro acontecimento mais marcante na marcha portuguesa em
2014. Pena é que volte a ter de escolher-se um acontecimento negativo.