Lashmanova nos mundiais de Moscovo-2013. Foto: Jeff Salvage |
O recente
caso de dopagem de que resultou a suspensão da marchadora russa Elena
Lashmanova por dois anos traz de novo ao debate público o problema do «doping»
enquanto forma anti-regulamentar e ilegal de participação na actividade
desportiva. A onda de indignação tem sido tanto maior quanto o relevo que a
atleta em causa apresenta na realidade desportiva internacional: por um lado,
trata-se nada mais nada menos que da actual campeã olímpica e mundial dos 20 km
marcha femininos; por outro, refere-se a uma atleta ainda jovem, de apenas 22
anos, com um início de carreira fulgurante e a prometer desempenhos futuros
difíceis de igualar (pelo menos para os padrões actuais, considerando o nível
dos recordes mundiais e as marcas habitualmente realizadas nas principais
competições internacionais).
Mas o «caso»
Lashmanova trouxe agregado outro aspecto deste problema, representado pelo
facto de se tratar de mais um entre inúmeros casos de dopagem verificados com
atletas de uma mesma «escola» de marchadores, a de Saransk, orientados por um
treinador comum, Viktor Chyogin. A associação entre esse treinador e o nome
daquela cidade da Rússia parece uma mistura explosiva, que deu já origem a que
fossem expressas opiniões que até há pouco tempo se ouvia apenas em conversas
particulares e que vão no sentido de penalização também do treinador - leia-se:
a sua irradicação do universo desportivo.
A ideia tem
por base a concepção assumida no Código Mundial Antidopagem, cujo art.º 21.2
refere os papéis e as responsabilidades do pessoal de apoio aos atletas. Ora,
as equipas técnicas (treinadores e não só) fazem parte desse círculo que rodeia
o atleta, facto que desencadeia a vontade de ver punidos não apenas os atletas
mas todos os que à sua volta, por acção ou omissão, colaboram no recurso a
substâncias ou métodos proibidos pela Agência Mundial Antidopagem.
Nos últimos
anos (consideremos desde o início do século XXI), mais de trinta marchadores
entraram na lista negra dos atletas suspensos por dopagem, incluindo cinco
actuais ou antigos campeões olímpicos (três russos, um italiano e uma grega).
Cerca de metade deles (16) são russos, mas há pelo menos outros dez países
manchados. A este propósito, consulte-se a lista publicada pela AIFA com os
nomes dos atletas a cumprir sanções por dopagem (ligação no final do texto).
São centenas de nomes de atletas de todas as especialidades do atletismo, entre
eles os dos referidos marchadores.
Neste
contexto, ainda que seja justo defender o afastamento específico deste ou
daquele agente envolvido em casos de «doping» (e muito se tem falado no
treinador Viktor Chyogin, orientador técnico de quase todos os marchadores
russos apanhados em controlos de dopagem e tido por muitos como suspeito de forte
envolvimento nos casos dos seus atletas), importa que não se tente encontrar
culpados convenientes, ao mesmo tempo que se deixa escapar aqueles que até
agora têm conseguido passar entre os pingos da chuva.
Enquanto as
acusações se centram nos casos mais notórios dos russos (mas nem por isso mais
graves, dado que graves são eles todos), há por certo quem esteja a esfregar as
mãos de contente por não estar no centro das atenções. Ou seja, enquanto se
fala dos russos esquece-se os outros. E não faltam situações muito suspeitas e
«ligações perigosas» envolvendo atletas, ex-atletas, treinadores, dirigentes,
juízes, médicos, familiares...). Os casos conhecidos são, possivelmente, apenas a ponta de um
iceberg que é bem capaz de chegar muito fundo.
Impõe-se uma
acção séria, devidamente planeada, capaz de verificar suspeitas e de
fundamentar acusações, afastando do mundo do desporto todos os agentes nocivos
que possam ser detectados. A não ser que se queira que a poeira assente para
depois tudo continuar na mesma.
O que menos
se deseja é acções isoladas, dirigidas especificamente a uma ou duas pessoas,
deixando de mãos livres aqueles que, muito provavelmente, se vão mantendo na
sombra, continuando a manobrar cordelinhos e a proteger prevaricadores que,
além de porem em causa a sua própria saúde, criam os mais graves atropelos à
verdade desportiva.
Note-se que
nos últimos dez anos tiveram lugar três edições dos Jogos Olímpicos de Verão,
cada uma delas com três provas de marcha: 20 km masculinos, 20 km femininos e
50 km (masculinos). Como nessas edições nenhum atleta bisou vitórias, temos
nove campeões em nove provas olímpicas de marcha de Atenas-2004, Pequim-2008 e
Londres-2012. Desses nove «campeões», cinco vieram a ser suspensos por dopagem
após as respectivas vitórias olímpicas: a grega Athanasia Tsoumeleka
(Atenas-2004, 20 km femininos), o italiano Alex Schwazer (Pequim-2008, 50 km) e
os russos Valeriy Borchin (Pequim-2008, 20 km masculinos), Sergey Kirdyapkin
(Londres-2012, 50 km) e, agora, Elena Lashmanova (Londres-2012, 20 km
femininos). Ou seja, mais de metade dos campeões olímpicos da marcha do século
XXI são batoteiros!