Imagens: FPA e Município de Porto de Mós. Montagem: O Marchador |
De há uns anos para cá (digamos: desde 2016), a vila de Porto de Mós tem vindo a ganhar notoriedade na marcha atlética, tanto no plano nacional como no internacional. Escolhida para acolher desde esse ano campeonatos nacionais de 35 e de 50 km, Porto de Mós ganhou celebridade mundial quando, em 15 de Janeiro de 2017, Inês Henriques aí estabeleceu o recorde mundial dos 50 km marcha femininos. De repente, o mundo da marcha atlética começou a falar desta povoação do distrito de Leiria.
O próprio município tem tido papel importante na continuidade da inclusão de Porto de Mós entre as sedes de campeonatos nacionais organizados sob a égide da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA). Seria impensável que uma cidade ou vila acolhesse um certame desta importância sem mobilizar meios económicos e técnicos e ainda pessoal para a concretização da iniciativa. O mesmo é dizer que parte relevante dos factores de sucesso destas várias edições de campeonatos nacionais de marcha em estrada fica a dever-se ao empenho da câmara municipal.
Sucede, no entanto, que os campeonatos nacionais de 35 km e de 50 km marcha, sejam da vertente masculina ou da feminina, deixaram de constar dos calendários nacionais do atletismo. Depois dos nacionais de 35 km de Janeiro de 2023, a FPA optou este ano pela realização de uns campeonatos de... 10 km. Valeria a pena perguntar que interesse pode ter uma distância destas para efeito de campeonatos nacionais de estrada destinados a atletas adultos. Poderia também questionar-se que estratégia de desenvolvimento está subjacente à decisão (espantosamente aprovada por unanimidade da última Assembleia Geral da FPA) de realizar estes campeonatos sobre esta distância. Mas basta que fiquemos pela retórica das perguntas, dado ser suficiente para que a reflexão nos faça perceber de imediato que estratégia é coisa que não abunda no Largo da Lagoa (apesar dos discursos e dos documentos «orientadores»).
Porventura, até pode ser que alguém tenha feito uma associação de ideias mais ou menos superficiais e tenha notado que essa distância de duas léguas é parecida com as que têm de cumprir os atletas que participem na novíssima prova olímpica da estafeta de marcha (dois atletas a fazerem quatro percursos de 10 km ou próximo disso). É claro que seria um raciocínio um tanto básico, mas... não pode exigir-se muito mais a quem tem da marcha atlética a mesma visão que de uma abóbora.
Chegados a esta fase do raciocínio, cabe invocar essa prova olímpica de Paris-2024 e, mesmo não concordando com a decisão de inclusão de coisa tão estranha no programa olímpico (estafetas de marcha, mistas ou não, nunca tiveram tradição de qualquer espécie), poderia fazer-se outra pergunta: uma vez que os Jogos de Paris vão ter essa «coisa» no programa do atletismo, porque não dar a oportunidade a que atletas portugueses (ou outros) disputassem um campeonato (ou outra competição qualquer) com esse perfil (42.195 metros a dividir por quatro percursos)? Se é também isso que vai haver nos Jogos Olímpicos, então talvez valesse a pena dar atenção ao assunto.
Além do mais, poderia ser uma forma de encaminhar uma equipa portuguesa para os Campeonatos do Mundo de Selecções de Marcha, em Antália (Turquia), no próximo mês de Abril, e de onde deverão sair apuradas 22 das 25 equipas que hão-de alinhar na estafeta mista de marcha dos Jogos de Paris. Isso, sim, seria um contributo positivo para a marcha atlética e para o seu calendário nacional/internacional. E poderia inscrever-se numa qualquer estratégia de desenvolvimento.
Além destes campeonatos de 10 km em Porto de Mós, haverá também, depois, uns campeonatos de 15 km, em Olhão. As distâncias até são interessantes para provas de preparação em início de época. Mas... para campeonatos nacionais?! É que nem a federação internacional (diga-se, World Athletics) teve semelhante «vislumbre» de provas sobre essas distâncias para o seu calendário!
O Plano de Actividades da FPA para 2024, aprovado também por unanimidade na referida assembleia, aponta na nota introdutória para o aumento do portfólio de campeonatos a levar a efeito. No que à marcha diz respeito, a estratégia (ou será a táctica?) afigura-se clara: extintos os campeonatos de 50 km e depois também os de 35 km, a que se junta a não realização de provas (campeonatos ou outras) da tal estafeta mista olímpica, apontou-se para uma via que passa entre o anedótico e o irrelevante, com campeonatos de distâncias de «trazer por casa».
De idiotice em idiotice, pode ser que no próximo ano tenhamos uns campeonatos nacionais de 7,5 km marcha. Ou 12,5 km... ou outra distância qualquer... ou de distância nenhuma!
Porto de Mós merecia mais. E os marchadores também.