Hoje publicamos o primeiro de dois textos de um estudo em tempos elaborado por Peter Marlow (*) que a edição impressa de “O Marchador” deu à estampa em 1998 mas que mantém toda a pertinência pois dá-nos a sua visão sobre os primórdios da especialidade no mundo, uma das mais antigas no conjunto das disciplinas que compõem o atletismo, sabendo-se que entre os séculos 17 e 19 era comum observarem-se competições de caminhada onde os participantes teriam de percorrer um determinado percurso, muitas vezes, num determinado tempo, num desafio aos seus próprios limites da capacidade física.
“Entre as disciplinas atléticas dos programas oficiais, a marcha deve ser a que mais transformação sofreu e maiores polémicas suscitou ao longo dos tempos.
É verdade que, se se considerar as restantes especialidades, pode citar-se outros casos de transformações revolucionárias. O salto com vara, por exemplo, conheceu mudanças substanciais desde o tempo em que os saltadores namoravam com o perigo usando canas de bambu para se elevar a alturas de quatro metros até às épocas mais recentes, com o uso de varas de fibra de vidro ou de fibra de carbono, que catapultavam com toda a ligeireza os atletas para os seis metros de altura.
Também o dardo evoluiu, passando da condição de lança de madeira à de projétil, feito de metais leves e concebidos com todo o aero dinamismo, o que levou à necessidade de modificar as especificações do engenho que começava a ser lançado a tais distâncias que acabavam por ficar em perigo os próprios espetadores das competições.
Mas a evolução histórica da marcha e a sua natureza polémica transformam-na numa especialidade à parte, que, felizmente, permanece entre as competições atléticas aceites universalmente.
Como é natural, a Grã-Bretanha pretende estar na origem da marcha desportiva. Com efeito, muitos acontecimentos demonstram que este desporto teve origem naquele país. No entanto, outros países podem pretender também eles ter estado na origem da marcha de competição. Os italianos, por exemplo, com as legiões romanas; ou os sul-africanos, com os “bóer trekkers”. Aceitemos, entretanto, que a marcha enquanto forma desportiva deu os primeiros passos nos concursos pedestres, com recompensas em dinheiro, desenrolados na Inglaterra, sobretudo no século XIIII.
Sabe-se, entre outros factos, que Sir Robert Carey, que marchou entre Londres e Berwick em 1589, ganhou uma importante recompensa em dinheiro. Em 1670, Lord Digby propôs-se percorrer descalço cinco milhas (pouco mais de oito quilómetros) em uma hora, buscando um prémio de 50 libras, mas falhou por meio minuto.
Já no final do século XIX, por alturas em que se desenvolvia na Grã-Bretanha a Associação de Atletismo Amador de Inglaterra e do País de Gales, Charles Westhall percorreu sete milhas em 54 minutos em Newmarket Heath. Em 1882, em Nova Iorque, uma hora foi quanto J. Meaghen gastou para cobrir a distância de oito milhas e 302 jardas (um pouco mais de 13km).”
(*) foi presidente do Comité de Marcha da Associação Europeia de Atletismo e membro da Comissão de Marcha da IAAF