Partida para os 50 km dos nacionais de Viseu em 2001: uma imagem que a FPA parece não querer que se repita. Foto: arquivo O Marchador |
A notícia é, então, essa: a FPA
decidiu passar a organizar os Campeonatos Nacionais de Marcha em Estrada a par
do Grande Prémio Internacional de Rio Maior em Marcha Atlética (em 2015 será a
18 de Abril), mas não incluindo o campeonato de 50 km, que dá lugar a uma prova
de 35 km a realizar dois meses e meio antes (31 de Janeiro), em local ainda não
anunciado e sem estatuto de campeonato (não terá atribuição de título de
campeão).
Esta é uma decisão de uma audácia
irresponsável, temerária no pior sentido que o conceito permite. Antes de mais,
transferir o campeonato nacional de marcha para o programa do grande prémio de
Rio Maior é, em termos simples, acabar com um dos dois grandes momentos da marcha
de competição em Portugal. Durante mais de trinta anos, esses campeonatos têm
sido o momento alto de cada época da especialidade no nosso país. Desde 1991,
Rio Maior tem no grande prémio internacional de marcha outro grande momento de
divulgação e de motivação dos marchadores portugueses (e não só dos
portugueses). Com o novo calendário, a FPA mata uma das galinhas: os momentos
altos passam de dois a... apenas um.
No início de 2014, a impensável
decisão de alterar à última hora os «normais» critérios de selecção para a Taça
do Mundo Marcha de Taicang constituiu uma primeira facada nos especialistas de
50 km. Resultado: nem equipa houve para levar à China em representação de
Portugal na prova daquela distância.
Agora, em vez de emendar a mão e
tentar recuperar para a distância os atletas que se afastaram por obra daquela
decisão irresponsável ou, em alternativa, tentar criar uma nova linha com novos
valores na distância, a FPA ensaia a fuga para a frente: os agentes do mal
(talvez contentes) conformam-se com o mal que fizeram e optam por amputar ao
corpo o membro doente (ou, melhor dizendo, o membro que se fez gangrenar por
grave negligência, para depois já ter pretexto para cortá-lo).
Para estes factos não se vê outra
explicação que não seja a manifesta incompetência para gerir a marcha e dar
continuidade ao desenvolvimento que a disciplina experimentou desde a
reintrodução em Portugal (há precisamente 40 anos) até há bem pouco tempo.
Na verdade, nunca se tinha chegado a
este ponto, nem nos primórdios dos campeonatos de marcha, quando foi preciso
enfrentar tantas dificuldades e tantas forças contrárias para manter os
campeonatos. Só a determinação dos atletas da especialidade conseguiu assegurar
a continuidade do evento ao longo dos anos iniciais, até à afirmação definitiva
desse importante objectivo que foi a celebração regular dos campeonatos
nacionais de marcha em estrada.
Com a realização dos campeonatos em
associação com o grande prémio de Rio Maior (isto é, como mero apêndice de uma
prova particular), o que acontece é que, na prática, perde-se os campeonatos.
Ainda que as provas permitam a atribuição de títulos nos diferentes escalões a
partir de juvenis, nada poderá substituir a dignidade de uns campeonatos de
corpo inteiro, em vez de uns campeonatos realizados a meias com outro programa,
diluídos no meio de um grande prémio, por muito respeitável que seja – e o
de Rio Maior é-o, sem dúvida.
A decisão da FPA de acabar com o
campeonato de 50 km tem ainda a nódoa de fazer daquela prova a única do programa
olímpico do atletismo sem campeonato nacional. Os 50 km marcha servem para
fazer parte do programa olímpico mas, pelos vistos, não merecem a consideração
da parte da Federação Portuguesa de Atletismo.
Poderia perguntar-se: qual o
projecto por trás desta decisão? Quem pensou neste assunto? A que grandes
linhas programáticas obedeceu esta decisão? Não ocorre resposta nenhuma.
Ocorrem, sim, outras perguntas: qual foi o papel do treinador nacional de
marcha neste processo? Fez a proposta? Recebeu-a de terceiros e subscreveu-a?
Pôs a chancela? Ou será que se limitou a servir de estafeta para entregar
mensagem escrita por outros?
Uma coisa é certa: como verdadeiros
executores da corda, empenhados em pendurar a marcha num qualquer cadafalso de
beira de estrada, os responsáveis por esta medida (treinadores ou directores)
ficarão com a vergonha do verdugo, que ganha a vida de cara escondida, para não
ser reconhecido na rua pelo que faz.
Há 11 anos, em Cheboksary, o
quarteto composto por Pedro Martins, Jorge Costa, Luís Gil e Mário Contreiras
conquistou para Portugal, de forma brilhante, o terceiro lugar colectivo nos 50
km da Taça da Europa de Marcha. Em 2014, Portugal não conseguiu sequer reunir
atletas para formar uma equipa, muito por incompetência de quem, na FPA, tinha
a obrigação de zelar pela continuidade do sucesso desta disciplina olímpica do
atletismo.
Cabe aos amantes da
marcha (em particular, aos actuais e aos antigos atletas de 50 km) defender o
património de um campeonato que alguém, mal intencionado, está a querer
destruir, com todas as consequências que isso tem para o desporto e o atletismo
portugueses.