domingo, 24 de dezembro de 2023

1977, marcha com mais provas em pista e forte impulso benfiquista

Fase de prova de marcha no Estádio Nacional, pose da equipa do Sport Lisboa e Benfica
constituída por José Dias, Manuel Silva, João Lima, José Pinto, Luís Dias, Jorge Abrantes,
António Rosa e José Carneirinho, e o folheto de divulgação do Encontro de Marcha
organizado a nível nacional. Fotos: arquivo «O Marchador».

Se as crises de crescimento são características comuns aos processos de desenvolvimento, então pode dizer-se que foi isso que aconteceu com a marcha atlética portuguesa no ano de 1977, onde parece detectar-se um aparente arrefecimento no entusiasmo que tinha marcado a iniciativa de várias entidades organizadoras de provas da especialidade no ano anterior. A marcha atlética vinha a (re)implantar-se em Portugal desde o final de 1974, com personagens e instituições motivadas pela abertura resultante do processo revolucionário do 25 de Abril, dando origem a acontecimentos que se enquadravam nesse contexto. O ano de 1976 tinha registado uma pequena explosão de provas da região de Lisboa, contando-se pelo menos 12 locais com quase vinte provas – considerando apenas o distrito de Lisboa.

Em 1977, grande parte das povoações desapareceu do mapa competitivo, onde, por outro lado, cresceu de forma evidente o número de provas realizadas em pista – tanto no Estádio Nacional (quatro competições em dois meses e meio), por iniciativa da Associação de Atletismo de Lisboa através da sua Comissão de Marcha, como no Estádio da Luz. Este último caso resultava do forte empenho de atletas e treinadores do Sport Lisboa e Benfica, que tinham criado no ano anterior a sua própria comissão de marcha.

É por via da sua determinação que tem lugar em 6 de Fevereiro o 1.º GP Marcha do SL Benfica (pista), complementado em 31 de Julho pelo 2.º GP Marcha do SL Benfica (estrada, em volta do estádio). Deve, no entanto, assinalar-se o papel relevante da secção de atletismo do Benfica, integrada por Arons de Carvalho, elemento que manteve desde sempre uma atitude de respeito e reconhecimento para com a marcha atlética e que viria a ser o autor das mais importantes bases de dados estatísticos sobre o atletismo português, e ainda Jorge Gonçalves, José Elias, José Quintela, José Abreu e Leonor (...), e também, nas áreas organizativas e de arbitragem, Arnaldo Santos, sem qualquer relação directa com a marcha mas cujo impulso constituiu grande ajuda aos marchadores. Arnaldo Santos viria a ser um dos mais destacados juízes de atletismo do país, tendo assumido a presidência do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Atletismo, nos mandatos da direcção de Fernando Mota.

Note-se que o 2.º grande prémio conta com a participação de 67 atletas, alinhando nas oito provas em representação de seis clubes, o Sport Lisboa e Benfica, o Núcleo de Atletismo de Oeiras, estes dois clubes com o maior números de atletas, o Centro de Cultura e Desporto dos Olivais Sul, o Vale do Sol Estoril, a Comissão Dinamizadora de Desportos de Santa Iria da Azóia e o Clube de Veteranos de Atletismo. Por curiosidade, as vitórias nas principais provas seriam para atletas benfiquistas, Luís Dias, no 1.º GP, e José Dias, no 2.º GP.

Duas iniciativas levadas a efeito no mesmo ano e a mobilização dos seus atletas para participação noutras provas fazem do Benfica o grande clube de marchadores desta fase de desenvolvimento da marcha atlética. Só na Urgeiriça se encontrava dinâmica semelhante (provas e grupo de praticantes) e, numa escala diferente, no eixo Santa Iria da Azóia-Póvoa de Santa Iria (sem provas neste ano de 1977, mas ainda com um grupo de marchadores dedicados).

De resto, a aldeia mineira do concelho de Nelas seria palco do 2.º Grande Prémio da Urgeiriça em Marcha Atlética, que se afirmava no panorama competitivo nacional com crescente capacidade de atração de participantes de locais distantes, motivados sobretudo pela possibilidade de competir «fora de portas». O mesmo é dizer que, para os atletas de Lisboa, a deslocação a tão distante local constituía motivo especial de interesse, não apenas enquanto oportunidade desportiva mas até como aventura, associada a uma viagem de mais de 250 quilómetros (mais o regresso), numa época em que nem as vias de circulação nem os veículos ofereciam a comodidade dos tempos atuais.

No historial das competições de marcha de 1977 realça-se ainda um torneio, estreado em 1976: o Grande Prémio do Varejense, levado a efeito em segunda edição no dia 1.º de Maio, nos arruamentos do Alto de São João, em Lisboa. A iniciativa coube ao Clube de Futebol Varejense, colectividade fundada em 1939 e que então se dedicava ao fomento de várias modalidades desportivas, entre as quais o atletismo, sobretudo na vertente de estrada.

Magoito, Queluz, Santa Iria, Póvoa e Vila Franca de Xira são apenas algumas das localidades onde a dinâmica associada à organização de provas de marcha parece não ter tido continuidade, pelo menos no ano de que aqui se trata. Alguns atletas mantinham a prática da especialidade em clubes dessas localidades, mas, para competir, tinham sempre de deslocar-se a outros pontos do distrito ou do país.

O esforço empreendedor que dava corpo a um calendário de provas provinha sobretudo da capacidade organizativa dos membros da Comissão de Marcha da Associação de Atletismo de Lisboa (Aires Denis e seus companheiros, entre os quais já não se contava Raymond Ysmal, entretanto regressado à sua França natal por motivos profissionais) e da Comissão de Marcha do S.L. Benfica, com grande dedicação dos jovens atletas Luís Dias, José Dias, José Pinto e Jorge Abrantes, entre outros. Foi deles o empenho que permitiu que nada menos que dez torneios de captação do clube (entre 12 de Fevereiro e 22 de Julho) tivessem a marcha incluída no programa, torneios que vieram a culminar com o Torneio dos Bairros.

O ano de 1977 não chegaria ao fim sem mais um passo significativo no reforço da acção organizativa dos agentes da marcha. Na sequência de uma carta dirigida em 7 de Maio pela Comissão de Marcha do Sport Lisboa e Benfica à Comissão de Marcha da Associação de Atletismo de Lisboa (AAL), teve lugar a 17 de dezembro o Encontro de Marcha Atlética, cujo programa apresentava quatro pontos: 1) Esclarecimento sobre problemas técnicos da marcha; 2) Discussão dos métodos de treino para a marcha; 3) Elaboração de um calendário nacional; 4) Projecção de filmes.

O encontro teve repercussões na imprensa, com notícias sobre a iniciativa publicadas sobretudo nos títulos desportivos «Record» e «Mundo Desportivo», além do jornal «O Benfica», o primeiro de todos a dar nota da reunião. No entanto, os principais resultados do encontro foram a vontade de aprofundar os temas debatidos (sobretudo no referente ao treino da marcha), a elaboração de um calendário nacional de provas de marcha para o resto da época desportiva e a composição de uma nova Comissão de Marcha da AAL, que entraria em funções em janeiro seguinte. Mas esse já é assunto para o próximo artigo desta série histórica, que será dedicado ao ano de 1978.