A Federação Portuguesa de Atletismo
anunciou recentemente a realização da 15.ª edição do Meeting Internacional de
Santo António, para ter lugar hoje, dia 25 de Junho, no Estádio Universitário de Lisboa.
O torneio não se realiza desde 2002, tendo tido nos anos finais dessa fase de
existência um programa de que faziam parte as provas de marcha. Nesta nova
fase, o «meeting» estrutura-se com um programa dividido entre internacional e
nacional. O primeiro compreende velocidade, barreiras, meio-fundo curto, saltos
e lançamentos; o segundo compõe-se de atletismo adaptado e provas para jovens.
Entre exclusões e inclusões, só a marcha parece ter sido deixada de fora pelo
diretor da prova.
Apesar de avanços e recuos, tem tido
razoável vitalidade no panorama dos «meetings» de atletismo realizados em
Portugal a tendência para incluir a marcha nos respectivos programas, mesmo que
contemplando provas curtas e, nalguns casos, envolvendo apenas um sexo. Mas, de
qualquer forma, não excluindo a disciplina. O próprio Meeting de Santo António
beneficiou desse facto em edições daquela primeira fase, ao realizar provas de
marcha que registaram a presença de boa parte dos melhores especialistas
nacionais, os quais eram, em vários casos, atletas de incontestável valor
internacional. E de tal modo esse valor dos marchadores era elevado que
chegaram a obter as melhores marcas do torneio, avaliadas de forma objectiva
através das tabelas de pontuação. Lembre-se ainda que o Meeting de Santo
António chegou a registar a presença de marchadores estrangeiros de elevado
nível, também eles contribuindo para o enriquecimento do valor geral do
torneio. Assim aconteceu em 1995, quando a prova de marcha foi ganha pela russa
Larisa Ramazanova, com 12.27,74 m, sendo segunda a bielorrussa Valentina
Tsybulskaya (12.27,97) e a terceira Sofia Avoila (CD Montijo, 12.53,10).
Ao excluir a marcha do programa, o
diretor do torneio mostra ao que vem em matéria de marcha atlética e de visão
global do atletismo. É altamente louvável que um torneio da modalidade integre
uma vertente adaptada; é igualmente positivo que tenha havido disponibilidade
para considerar provas ditas promocionais e para jovens num programa que se
pretende internacional, mas logo surge (mais uma vez) a discriminação negativa
da marcha atlética, reservando-lhe o papel de única disciplina a ficar de fora.
A atitude mostra que, para o diretor
do torneio, o atletismo não é tão integrador como isso. Para alguns não há
lugar, ainda que sejam atletas muito considerados no plano internacional pela
valia das respectivas marcas e pela imponência das classificações alcançadas –
em alguns casos também pela longevidade das carreiras ao mais alto nível.
Quando a marcha dá medalhas a nível internacional, aí sim, já é o atletismo no
global que contabiliza as medalhas e se refere aos feitos dos nossos melhores
especialistas. Fora dessas ocasiões, valham-nos alguns autarcas e dirigentes
associativos que vão lembrando os principais desempenhos internacionais dos
marchadores, mostrando-os como exemplo e factor de motivação dos mais jovens.
São honrosas excepções, a nível local, mas delas o blogue «O Marchador» tem
dado eco, como pode confirmar-se numa breve pesquisa pelos textos publicados
nas semanas mais recentes.
É também revelador que o director da
prova tenha feito uma declaração sobre o programa do «meeting», transcrita no
«site» da FPA nos seguintes termos: «Procurámos um conjunto de provas que
respondesse aos interesses do atletismo português e que ao mesmo tempo possam
proporcionar um bom espectáculo desportivo.» Podemos dar de barato que a
questão do «bom espectáculo desportivo» seja do domínio da subjectividade. Mas
já parece mais objectivamente grave que os ditos «interesses do atletismo
português» passem pela exclusão da marcha atlética. Afinal, tanta integração
para depois se estragar tudo proclamando e exercendo a exclusão!
Não é que não saibamos todos que em
algumas mentes essa formulação discriminatória tem bastante energia, aliás
quase sempre refreada para não dar muito nas vistas. Só que de vez em quando o
gato esconde-se com o rabo de fora.
Em países com cultura desportiva
mais evoluída e onde os marchadores revelam valor de excelência, os
organizadores honram as grandes figuras da marcha (e com isso dignificam-se a
si próprios também) incorporando a disciplina nos mais variados tipos de
torneios, tenham eles expressão local, nacional ou internacional. Aproveitando
o prestígio desses atletas, reforçam a promoção da marcha e, com ela, promovem
o atletismo e o desporto. Ganha a marcha e ganha a motivação dos mais jovens
para aderirem às práticas desportivas.
Assim, o exemplo do Meeting de Santo
António não é para ser seguido. Ele representa uma oportunidade perdida,
traduzindo um renascimento que não é para todos de um torneio que tem tantas condições para
voltar a ter lugar próprio no calendário nacional.
A finalizar, relembre-se uma
história que talvez ajude a compreender melhor a situação. Há uns anos, aí por
1997, o regulamento do circuito de «meetings» previa a atribuição de prémios
com base numa classificação final apurada pelas classificações dos atletas nos
diversos torneios do ano. O responsável federativo pela área dos
«meetings», por sinal agora também e de novo director do Meeting de Santo
António, decidiu que os marchadores não teriam direito aos prémios finais, apesar
de regulamentarmente lhes serem devidos por terem registado os melhores
desempenhos entre todos os participantes nos torneios que contavam para o
efeito. Em consequência, tratou de atribuir esses prémios a atletas de outras
disciplinas mesmo tendo classificações inferiores. Meses depois, outro director
da FPA, mais sensível à verdade desportiva e com outro sentido de justiça,
suscitou o problema junto da direcção da federação, defendendo que a injustiça
fosse reparada. Dessa forma levou a que, alguns meses mais tarde, os
marchadores recebessem de facto os prémios que tinham conquistado, fazendo
repor a justiça contra uma atitude prepotente do responsável do circuito de
«meetings».