sábado, 25 de dezembro de 2010

Deve ser ele

Da janela do meu quarto não vejo mar, nem rio, nem serra, nem árvores, nem as outras casas da terra, nem as pedras do caminho. Só as grossas gotas da chuva a escorrer pela vidraça, formando por fora a cortina que não tenho por dentro. Na rua, o dia já se pôs há muito, deixando um frio que se entranha, faz o nariz pingão e há-de estender o manto branco, lá fora.
O «Bigodes» anda por aqui a enroscar-se, desenhando oitos da perna esquerda para a direita e de novo para a esquerda, talvez pedindo que lhe acenda a lareira, mas eu sei que se aceder ele nunca mais larga o quentinho e eu fico aqui sozinho, olhando pela janela, à espera.
Já no ano passado assim foi: esperar, esperar, esperar. Até dormir. E dormi. Dormi quando as pálpebras teimavam em abrir-se, à espera. Não sei o que sonhei nas intermitências do sono e do sonho. Talvez tenha sido com o calor que faltava. Até que o barulho na porta me despertou. Era ele.
Trazia tudo conforme pedido. Arrumou uma parte lá em baixo e trouxe o resto para aqui. Pôs na lareira, juntou papel amarfanhado, mais umas pinhas, acendeu e deixou ficar. Abalou como chegou, sem dizer palavra. Nunca ninguém o ouviu falar. O «Bigodes» é que não mais despegou do quentinho. E eu fiquei a olhar. À espera.
Agora espero ansioso que volte, como sempre. Pedi o que é de costume, só para aquecer, que o tempo está outra vez muito rijo. Talvez esteja à espera de uma aberta, à beira do caminho, pronto para vir logo. Ou talvez não. Talvez ainda esteja longe, noutras entregas, de gorro quase a vendar-lhe os olhos e a roçar a gola da samarra.
Batem à porta. Anda, «Bigodes», vais gostar! Vou abrir, deve ser ele. Nem ouvi a carroça. Depois conto.
Boas festas!