quinta-feira, 13 de março de 2014

Morreu Jerzy Hausleber (1930-2014)

Jerzy Hausleber. Foto: Hidalgo Sport
Aquele que muitos consideram «o pai da marcha mexicana» morreu esta manhã, na Cidade do México. Jerzy Hausleber, polaco de nascimento e mexicano por adopção (e naturalização em 1984), não resistiu mais aos graves problemas de saúde que o afectaram nos últimos meses, deixando um dos lastros mais ricos da história da marcha atlética mundial. Contava 83 anos.

A ele se ficam a dever os desenvolvimentos registados na marcha atlética do México, país que durante a década de 70 do século passado, sob a sua batuta, se tornou uma das grandes potências mundiais da especialidade, ao mesmo nível da União Soviética e da RDA, mas também da Itália e da Grã-Bretanha. Em consequência do trabalho realizado por Hausleber e pela sua equipa, os grandes sucessos internacionais dos marchadores mexicanos começaram a surgir, primeiro com a medalha de prata de José Pedraza nos 20 km marcha dos Jogos Olímpicos de 1968, depois com os espantosos desempenhos de diferentes atletas nas taças do mundo e nas competições do continente americano, até aos pontos máximos das vitórias olímpicas de Daniel Bautista nos 20 km dos Jogos de 1976 (Montreal) e de Ernesto Canto (20 km) e Raúl González (50 km) nos Jogos Olímpicos de 1984 (Los Angeles).

Considerando apenas as grandes competições mundiais (Jogos Olímpicos, campeonatos do mundo de atletismo e taças do mundo de marcha), os atletas orientados por Jerzy Hausleber conquistaram nada menos que 36 medalhas individuais entre 1968 e 2000, das quais 17 foram de ouro. José Pedraza, Daniel Bautista, Ernesto Canto, Raúl González, Carlos Mercenario, Bernardo Segura, Joel Sánchez e Noé Hernández foram os marchadores mexicanos medalhados em Jogos Olímpicos. Mas muitos outros obtiveram importantes classificações em momentos de menor expressão mediática mas de igual valor desportivo, como foram os casos de Enrique Vera, Domingo Colín, Pedro Aroche, Martín Bermúdez, Graciela Mendoza, Alberto Cruz, Germán Sánchez e Miguel Rodríguez.

Na memória fica também o episódio ocorrido em 1985, quando, poucos dias antes da realização da Taça do Mundo de Marcha, em St. John's, na Ilha de Man, a Cidade do México foi sacudida por um violento tremor de terra que derrubou numerosos edifícios e causou elevado número de vítimas. A equipa de marchadores decidiu então abdicar de participar na competição internacional para a qual estivera a preparar-se. Jerzy Hausleber reuniu os filhos e os atletas e todos se juntaram aos trabalhos de socorro, constituindo uma improvisada brigada de ajuda aos sinistrados.

Nascido na Polónia em 1 de Agosto de 1930, Jerzy Hausleber instalou-se no México em Maio de 1966, a fim de levar por diante um projecto de preparação dos marchadores mexicanos para os Jogos Olímpicos de 1968, que iriam ter lugar na capital daquele país. Apesar de o contrato que o atraiu a terras aztecas ser por período limitado, nunca mais abandonou aquele país, onde o trabalho levado a cabo o transformou numa das figuras de maior relevo na história mundial da modalidade.

Entretanto vencedor do Prémio Nacional de Desporto do México em 1995 e 2011, Jerzy Hausleber foi agraciado em 1993 com a Águia Azteca, a mais alta condecoração do Senado mexicano para cidadãos estrangeiros (apesar de ser cidadão nacional havia quase uma década). Com o seu nome e em sua honra foram baptizados o auditório da Escola Nacional de Treinadores Desportivos e a pista do Centro Nacional de Desenvolvimento de Talentos Desportivos e Alto Rendimento.

Bastante debilitado pela idade, Hausleber sofreu em Agosto de 2013 uma embolia cerebral em consequência de queda, a que se seguiu um enfarte do miocárdio. Nos últimos dias encontrava-se internado numa unidade hospitalar da Cidade do México, como já acontecera várias vezes desde o Verão passado.

De Jerzy Hausleber fica essa herança de um dos contributos mais decisivos e inovadores para o desenvolvimento da marcha a nível mundial. E fica também a memória de toda uma geração de marchadores para quem a sua obra foi marcante, transformando-o numa lenda viva, agora desaparecida.

Como disse em 29 de Julho de 2011 o presidente da Federação Mexicana de Associações de Atletismo, Antonio Lozano, durante uma homenagem ao grande treinador de marcha, «há poucas pessoas no mundo com tão grande impacte sobre a experiência desportiva de um país, transformando-a praticamente sozinho numa potência mundial de determinada modalidade. É esse o grande legado que um dia Jerzy Hausleber deixará ao México, um país que em 1966 pouco ou nada contava no concerto internacional do desporto e que poucos anos depois era reconhecido como pátria dos melhores especialistas mundiais da marcha atlética».