terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Nacionais de Marcha em Estrada, acontecimento nacional de 2013

Mikel Odriozola corta a meta após 22 km a subir e 250 curvas.
Foto: O Marchador
Há na vida muitas coisas difíceis de compreender, entre todas avultando as oportunidades perdidas por quem tem interesse ou necessidade, sobretudo quando as falhas resultam de incúria, má-vontade e falta de empenho. Após os magníficos campeonatos nacionais de marcha em estrada levados a efeito em conjunto por Espanha e Portugal em 2012 e realizados em Pontevedra (Espanha), era de esperar que Portugal retribuísse em 2013 com igual qualidade. Ou, pelo menos, tentasse fazer de forma digna uns campeonatos que não desmerecessem o que a Espanha oferecera um ano antes.

Chamada a organizar o evento conjunto de 2013, a Federação Portuguesa de Atletismo entendeu que os campeonatos teriam lugar no Montijo, cidade que já recebera duas edições dos campeonatos portugueses, em 1988 e 1993, muito bem organizadas. E quando se esperava um desempenho organizativo ainda melhor do que esses em anos já remotos e que a experiência (a «doméstica» e a de cooperação ibérica) permitisse uma iniciativa de excelência, eis que os participantes foram brindados com uma das piores organizações de sempre de campeonatos nacionais de marcha em estrada.

Quem olhasse para a zona da meta mais não podia ver do que uma lona atravessada sobre o percurso, a uns três metros de altura, mencionando o nome de um clube montijense dedicado à prática da ginástica. Nada identificava de forma visível os campeonatos que ali estavam a ter lugar. À falta de um pórtico insuflável (ou de coisa que lhe pudesse equivaler) juntou-se ainda a ausência de qualquer dispositivo de contagem de tempo de prova para orientação de atletas e de público. Pórtico e cronómetro são hoje apetrechos que nenhuma organização descura quando leva a efeito provas importantes de estrada.

A locução, elemento fundamental de animação e de informação num evento deste género, foi praticamente inexistente. Esse tinha sido um pormenor muito valorizado pela organização espanhola de 2012 e traduziu-se então na utilização de mais do que um locutor, a transmitir permanentemente dados de interesse sobre o decorrer das provas e sobre os atletas em competição. No Montijo, nada mais houve do que chamadas para partidas e para cerimónias protocolares. Ainda para mais através de uma instalação sonora que se circunscreveu à zona da meta. E neste contexto era difícil que as cerimónias de entrega de prémios pudessem ter a dignidade e a atenção que, de facto, faltaram no Montijo. Recorde-se: tratava-se de cerimónias protocolares envolvendo a consagração de campeões nacionais (de Portugal e de Espanha).

Mas se o aspecto apenas formal fosse o único ponto negativo destes campeonatos, estaríamos menos mal. O problema foi que houve muito pior. E desde logo revelou-se um tremendo fracasso a escolha do percurso. Com tanto espaço plano à volta do sítio escolhido para a prova, a solução adoptada acabou por recair num circuito de apenas mil metros e que, apesar de inscrito sobre o perímetro mínimo oficial, não deixou de incluir cinco curvas, três das quais obrigando a dar meia volta. Nos mil metros de cada volta, cerca de 450 metros eram cumpridos a subir e outros tantos a descer. Talvez fosse um circuito a considerar para um futuro campeonato de rampas. Ou de montanha...

O piso revelou-se em estado impróprio para campeonatos nacionais, com buracos aos quais os atletas tinham de estar atentos e fugir em cada uma das voltas ao circuito. Não foram poucos os atletas (tanto portugueses como espanhóis, note-se) que nas semanas seguintes se queixaram do tempo anormalmente longo de que precisaram para a recuperação muscular após as provas daqueles campeonatos. Só a simpatia e a boa educação levaram os atletas do país vizinho a referir-se ao circuito apenas com o termo «difícil». Nós podemos pôr de lado a fineza do trato e exclamar (para que a situação não se repita): «difícil» é treinar; aquele circuito era simplesmente tenebroso!

Ou seja, a FPA, responsável primeira e última pela organização daqueles campeonatos, não acautelou o interesse dos atletas participantes. Não era difícil à estrutura técnica verificar que as condições não eram as adequadas para o efeito, impondo-se uma tomada de posição que ninguém terá sido capaz de assumir em defesa dos atletas e dos próprios campeonatos. E desta responsabilização não ficam isentas as entidades parceiras da FPA, nomeadamente a Associação de Atletismo de Setúbal (proponente da candidatura) e a Câmara Municipal do Montijo, cada uma com uma quota-parte de culpa na proporção da responsabilidade de cada uma.

Contas feitas para a competição de maior distância (os 50 km), é fácil perceber que os concorrentes a esta prova tiveram de fazer a enormidade de 250 curvas, sendo 150 de inversão de sentido de marcha. E, tendo em conta a inclinação do circuito, 45 quilómetros da prova foram feitos a subir ou a descer, apenas cinco quilómetros em plano. Faça-se a proporção para a distância das restantes provas e também se perceberá o que foi exigido como esforço suplementar a quem competiu sobre menor número de voltas. Custa acreditar que a federação tenha aceitado aquele circuito para um campeonato nacional de marcha.

De repente, pareceu que a FPA desaprendeu tudo o que aprendeu em 27 anos de experiência prévia na organização de campeonatos de marcha em estrada. Assim, os nacionais de marcha do Montijo ficam como o acontecimento nacional de 2013 no que à marcha atlética diz respeito. Mas, é claro, acontecimento negativo.