Da janela do meu quarto não vejo mar, nem rio, nem serra, nem árvores, nem as outras casas da terra, nem as pedras do caminho. Só as grossas gotas da chuva a escorrer pela vidraça, formando por fora a cortina que não tenho por dentro. Na rua, o dia já se pôs há muito, deixando um frio que se entranha, faz o nariz pingão e há-de estender o manto branco, lá fora.
O «Bigodes» anda por aqui a enroscar-se, desenhando oitos da perna esquerda para a direita e de novo para a esquerda, talvez pedindo que lhe acenda a lareira, mas eu sei que se aceder ele nunca mais larga o quentinho e eu fico aqui sozinho, olhando pela janela, à espera.
Já no ano passado assim foi: esperar, esperar, esperar. Até dormir. E dormi. Dormi quando as pálpebras teimavam em abrir-se, à espera. Não sei o que sonhei nas intermitências do sono e do sonho. Talvez tenha sido com o calor que faltava. Até que o barulho na porta me despertou. Era ele.
Trazia tudo conforme pedido. Arrumou uma parte lá em baixo e trouxe o resto para aqui. Pôs na lareira, juntou papel amarfanhado, mais umas pinhas, acendeu e deixou ficar. Abalou como chegou, sem dizer palavra. Nunca ninguém o ouviu falar. O «Bigodes» é que não mais despegou do quentinho. E eu fiquei a olhar. À espera.
Agora espero ansioso que volte, como sempre. Pedi o que é de costume, só para aquecer, que o tempo está outra vez muito rijo. Talvez esteja à espera de uma aberta, à beira do caminho, pronto para vir logo. Ou talvez não. Talvez ainda esteja longe, noutras entregas, de gorro quase a vendar-lhe os olhos e a roçar a gola da samarra.
Batem à porta. Anda, «Bigodes», vais gostar! Vou abrir, deve ser ele. Nem ouvi a carroça. Depois conto.
Boas festas!