Jorge Esteves na Taça do Mundo de Marcha em Nova Iorque (1987) e na actualidade. Fotos: arquivo O Marchador e J.Esteves |
Radicado na Inglaterra desde 1999, Jorge Esteves, marchador nas décadas de 80 e 90 e também treinador, exerce a sua actividade profissional como osteopata, docente universitário e investigador. Fruto de um processo em tudo semelhante a uma prova de endurance, o seu desenvolvimento académico ficou recentemente marcado pela obtenção de um doutoramento na área das neurociências. Para além deste sucesso, outros recentes momentos de grande realização pessoal incluem o nascimento do seu primeiro neto e a participação do seu filho, Nuno Esteves, nos Campeonatos da Europa de Esgrima no escalão de cadetes (juvenis) em representação de Portugal. Jorge continua ligado ao desporto de competição como atleta, dirigente, árbitro, clínico, e pai de um atleta na fase inicial do seu percurso como futuro atleta de alta competição. Como atleta, Jorge compete regularmente em provas do Circuito Britânico de sabre.
Qual foi o momento mais marcante, pela positiva, da tua carreira como marchador?
Foram vários os momentos que marcaram a minha carreira, incluindo a obtenção de vários recordes nacionais, títulos nacionais e internacionalizações. Além disso, os recordes nacionais e internacionalizações alcançadas como treinador de alguns atletas bastante promissores, e as vitórias políticas alcançadas como atleta e dirigente marcaram-me profundamente como homem. No entanto, considero a minha participação nos Campeonatos da Europa de Juniores em 1985, como o momento mais marcante da minha carreira como atleta.
Algum momento menos bom que te tenha marcado?
Vários! Dois momentos, em particular, marcaram-me profundamente. O da minha desistência por lesão aos 40 km na Taça do Mundo em Nova Iorque em 1987 deixou-me com danos físicos e psicológicos que levaram algum tempo a ‘cicatrizar’. Outro momento negativo, que de certa forma precipitou o meu abandono da disciplina como atleta no ano seguinte, foi a minha desclassificação em Hericourt, Franca em 1992 numa prova de 50 km em pista onde eu tentei a obtenção dos mínimos para os Jogos Olímpicos de Barcelona. A sensação de estar fisicamente e psicologicamente em grande forma, e com os mínimos ‘nas pernas’, mas com algumas falhas do ponto de vista técnico, levou-me a reflectir profundamente no meu futuro como atleta de alta competição.
Como vês hoje a marcha em Portugal?
Como alguma apreensão. Não existe, na minha opinião, profundidade em termos de qualidade e quantidade de participantes, que nos permita dar continuidade aos óptimos resultados alcançados por alguns dos nossos marchadores de alto nível. Alguns destes atletas estão em final de carreira e, sinceramente, não vejo muitos sucessores com o potencial necessário para competir ao mais alto nível.
E internacionalmente?
De uma forma geral, os resultados são excelentes. Penso que os avançados feitos ao nível da ciência do treino, tecnologia, nutrição e psicologia permitem hoje em dia que os atletas treinem de uma forma mais eficaz e com uma técnica mais apurada. Muito diferente dos anos 80!
No entanto, a marcha ainda não é um desporto global. O desporto não atrai mais gente porque as regras são complexas, a subjectividade em termos de ajuizamento enorme, e a duração das competições muito longa. As novas propostas para o ajuizamento são interessantes e positivas. A marcha tem que olhar para outras modalidades que vivem ou viveram momentos de incerteza muito semelhantes. Por exemplo, na minha actual modalidade, esgrima (sabre) a federação internacional introduziu alterações aos regulamentos e arbitragem que permitiram um aumento da espectacularidade do desporto, com resultados positivos em termos de marketing e manutenção do sabre e esgrima como modalidade olímpica. Na marcha, provas mais curtas com um ajuizamento rigoroso e compreensível, permitiriam a integração “completa” da marcha no calendário do atletismo em Campeonatos do Mundo e Jogos Olímpicos e não a possível alienação da marcha através da realização das provas em circuitos longe do estádio, e consequentemente da maioria dos espectadores.
Se estivesses a iniciar na marcha atlética, hoje, farias algo de diferente?
Treinaria de uma forma mais eficaz tendo em conta os processos e etapas no desenvolvimento físico e psicológico do atleta jovem, com uma ênfase na obtenção de resultados a longo prazo… não treinaria 3 vezes por dia como júnior!