Erin e Inês, duas pioneiras dos 50 km marcha femininos.
Fotos: Inside the Games e jornal «i». Montagem: O Marchador
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A insatisfação mantinha-se para aquela professora de música. E os argumentos que ia ouvindo quando defendia a admissão dos 50 km marcha femininos eram quase sempre
os mesmos: que a distância era demasiado longa para as mulheres, que não seriam capazes – no fundo, o mesmo argumento que impossibilitou as mulheres de correrem a maratona durante mais de 80 anos (a prova foi introduzida no programa olímpico dos Jogos de Los Angeles de 1984). O passo seguinte seria o de pressionar a IAAF com vista à introdução da distância nos campeonatos mundiais de atletismo.
Viu que a tarefa a empreender não seria nada fácil, pelo menos a bem. Então, em 2017, o seu advogado, o belga Paul
DeMeester, ele próprio um antigo marchador, num documento de 80 páginas, ameaçou os dirigentes da IAAF com a apresentação de uma queixa num tribunal nova-iorquino por
discriminação de género caso o organismo máximo do atletismo mundial não acedesse à pretensão de Talcott. A IAAF não teve, pois, outro remédio senão o de admitir os 50 km marcha para senhoras nos mundiais de Londres de 2017. A própria IAAF, estatutariamente, rege-se por normas que
impedem quaisquer formas de discriminação. A instituição corria o risco de ter de desembolsar indemnizações milionárias.
Foi a grande oportunidade para Inês Henriques, que, convencida pelo seu treinador Jorge Miguel a apostar na
distância já que via nela grandes potencialidades (isto ainda antes de se saber se a prova seria ou não admitida para Londres-2017), ganhava vantagem sobre outras eventuais concorrentes e preparava-se para a competição, com um primeiro grande teste, em Porto de Mós,
nos primeiros campeonatos nacionais da distância e onde estabeleceria o primeiro recorde mundial oficial na distância. Em Londres viria a entrar na história do atletismo mundial ao ser a primeira a inscrever o seu nome na galeria dos vencedores dos 50 km marcha femininos de uns campeonatos mundiais de atletismo,
batendo o seu próprio recorde mundial e onde a própria Talcott foi uma das sete participantes.
Para os Campeonatos Europeus, que decorreram muito recentemente em Berlim, o processo de admissão também
não foi fácil, levando a própria atleta e a sua colega espanhola María Dolores Marcos Valero, primeira recordista da distância no país vizinho, a utilizar semelhante método, também com DeMeester, agora junto da Associação Europeia de Atletismo (AEA).
Com o sucesso da prova longa da marcha atlética feminina nestes europeus (19 participantes) e o triunfo categórico de Inês
Henriques, dando a Portugal uma das duas medalhas de ouro na competição e fazendo, de novo, história ao triunfar na estreia da distância nos campeonatos continentais (tal como Rosa Mota já fizera na estreia da maratona, em 1982), um novo e último passo está a ser trabalhado
para 2020!
Os Jogos Olímpicos de Tóquio, até ao momento, não preveem a inclusão dos 50 km marcha na vertente feminina.
Este ano, perto de uma centena de atletas, dos cinco continentes, realizaram a distância com marcas abaixo das cinco horas e trinta minutos. O Comité Olímpico Internacional, por sua própria iniciativa, dificilmente admitirá a prova. As mulheres
entendem que tal situação configurará um fator discriminatório. De género. Daí que a maior parte das atletas que participaram nos 50 km dos europeus, incluindo Inês Henriques, tenham reunido com Paul DeMeester num hotel de Berlim, com o propósito de serem estudadas as melhores estratégias com vista ao sucesso pretendido. Veremos!