sábado, 24 de agosto de 2013

Balanço da marcha portuguesa em Moscovo: comentário geral

Marchadores portugueses em Moscovo: João Vieira, Ana Cabecinha,
Inês Henriques, Vera Santos, Pedro Isidro e Sérgio Vieira.
Fotos: IAAF e Jeff Salvage. Montagem: O Marchador.
Entre órgãos de imprensa e redes sociais, vários foram os balanços da participação portuguesa nos mundiais de Moscovo que, de forma mais explícita ou mais velada, deixaram a ideia que poderia resumir-se nos seguintes termos: «Neste momento, em Portugal o atletismo é a marcha» (António Simões, Facebook, 15/8).
 
O comentário parece simpático para a marcha e os marchadores. Tantas vezes relegados para terceiros planos informativos, mesmo quando aconteceram alguns dos maiores sucessos competitivos internacionais, os marchadores sentem por certo a alegria do reconhecimento público das suas qualidades e do resultado do esforço de anos de treino. Mas desenganem-se os que não «topam» para lá do evidente. Ainda que haja vários níveis de leitura daquelas palavras do jornalista de «A Bola», não se pode, por um lado, desconsiderar o esforço de todos os que, não sendo marchadores nem lhe estando ligados por qualquer função, todos os dias se empenham em que o atletismo seja uma realidade múltipla, e, por outro lado, esquecer que grandes atletas, com irrefutáveis provas dadas, tentaram até ao último momento e em condições de desvantagem obter os mínimos de participação nos mundiais em disciplinas que não a marcha atlética (e nem o facto de não os terem conseguido diminui a sua importância no atletismo português e mundial). Portanto, há mais atletismo para além da marcha.
 
O problema é que a marcha portuguesa continua a não ter profundidade. Inebriados por sucessos individuais ou colectivos registados nos últimos anos (para alegria de todos, mas só alguns acautelados na não criação de expectativas irrealistas), muitos têm pensado que o nosso país já é uma potência mundial da marcha. Mas as potências são outra coisa. São aqueles países que colocam dez ou quinze atletas nos vinte ou trinta primeiros das listas mundiais de cada ano das diferentes distâncias olímpicas. E dominam em quantidade e qualidade nos diferentes escalões etários. E têm uma taxa de participação desportiva que revela verdadeiro envolvimento da sociedade no desporto. Isso, sim, são as grandes potências da marcha (e do desporto). 

Em Portugal, alguns casos excepcionais, felizmente em quantidade superior ao que a qualidade organizativa poderia fazer supor, deram a ilusão de que estávamos entre os melhores dos melhores. Mas a dura realidade (do passado e do presente, mas previsivelmente também do futuro) é que depois de uma vanguarda de grande valor não se constituiu uma retaguarda que servisse de alternativa ou de possível reserva em caso de necessidade. Como já se nota sobretudo no sector masculino, Portugal tem alta qualidade mas baixa quantidade (ou baixa densidade). Há jovens a prometer bons níveis competitivos futuros, mas na maior parte dos casos ainda estão longe do topo, são em quantidade exígua e não se encontram enquadrados por qualquer projecto central de desenvolvimento da marcha, que vá além do empenho associativo dos respectivos clubes e da abnegação dos treinadores.