quarta-feira, 13 de julho de 2011

Grandes Figuras da Marcha Mundial (2) – George Goulding

George Goulding. Foto: Canada
Sports Hall of Fame
Só em 1894 se pode dizer que os Jogos Olímpicos modernos nasceram, com o anúncio da marcação da primeira edição para daí a dois anos (Atenas-1896), mas já antes tinha havido numerosas tentativas de revitalizar essa importante tradição da antiguidade grega. Por exemplo, no Canadá, onde 50 anos antes, a 28 e 29 de Agosto de 1844, se realizaram uns «Athletic Games», na cidade de Montreal e cujo programa, de pretensões olímpicas, incluiu uma prova de marcha atlética.

Não espanta, por isso, que quando a marcha foi integrada no programa dos Jogos Olímpicos modernos (nos Jogos intercalares de 1906, em Atenas, e nos Jogos «oficiais» de Londres de 1908) já atletas canadianos se impusessem entre os melhores. Assim sucedeu com Donald Linden, segundo classificado nos 1500 m marcha dos Jogos Intercalares de 1906. Mas assim sucedeu também (e sobretudo) com George Goulding, nos Jogos de 1908 (Londres) e 1912 (Estocolmo).

George Henry Goulding era originário de Inglaterra, tendo nascido em Hull a 17 de Novembro de 1885. Aos 18 anos emigrou com a família para o Canadá, instalando-se em Toronto, onde três anos mais tarde veio a iniciar-se na actividade atlética no Toronto Central YMCA, equivalente norte-americano (EUA e Canadá) às Associações Cristãs da Mocidade (ACM) em Portugal. Foi então pelo Canadá que aos 22 anos participou nos Jogos Olímpicos de 1908, na capital do seu país de origem, Londres. Com formação atlética iniciada como corredor, Goulding alinhou na maratona, partindo da segunda linha, com o número 67. Terminaria no 23.º lugar, com 3.33.26,2/5 h, sendo o sexto de oito canadianos na meta.

Mas em Londres participou também nas provas daquela que já começava a ser a sua disciplina de excelência: a marcha. Na Primavera desse ano tinha tomado parte em algumas provas da especialidade, incentivado por um colega a quem acompanhara numa prova local, vindo depois a vencer os Campeonatos do Canadá, na distância de 3 milhas.

A competição olímpica de 10 milhas (aprox. 16 km) até nem correu bem, sendo Goulding um dos cinco concorrentes que não concluíram a segunda eliminatória, mas nos 3500 metros marcha teria outro desempenho. Na última das três eliminatórias dominou desde o tiro de partida e alcançou o primeiro lugar, com 15.54 m, contra 15.32 m do vencedor da primeira série, George Larner, e 15.17 m do vencedor da segunda, Ernest Webb, ambos britânicos. Na final, que juntou os três primeiros de cada eliminatória, George Goulding melhorou um pouco a marca para terminar com 15.49,4/5, que se revelou insuficiente para a subida ao pódio, terminando na quarta posição. Tal como nas 10 milhas, Larner foi o vencedor, seguido de Webb. Desta vez, o terceiro foi o neo-zelandês Harry Kerr. Goulding foi contemplado com um diploma de mérito. O caminho do sucesso estava aberto.

Quatro anos mais tarde, George Goulding era já um marchador de renome internacional quando se apresentou em Estocolmo para tomar parte nos Jogos da V Olimpíada. Iria participar apenas nos 10 km marcha (apesar de estar inscrito também para a maratona, prova em que não alinhou e que, como se sabe, se revelaria fatídica para o português Francisco Lázaro). À época, o currículo pessoal de Goulding apresentava já uma série de recordes mundiais das duas às 10 milhas, além de uma importantes vitórias sobre o duplo vice-campeão olímpico Ernest Webb e sobre o campeão George Larrner, em provas de duelo. Já na capital sueca, a notícia do nascimento do primeiro filho e de que se tratava de um rapaz foi um factor adicional de motivação para o canadiano, reforçando-lhe a determinação competitiva.

Na eliminatória, o canadiano manteve sempre o controlo da situação, apesar de nem sempre ter estado na liderança da prova. Acompanhado desde o princípio por aquele que já se podia considerar o seu grande rival, Goulding esperou pela entrada na volta final e desferiu um ataque a que um já veterano Ernest Webb não conseguiu responder. Terminaria com 47.14,5 m, meia recta à frente de Webb e mais de meia volta adiante do dinamarquês Rasmussen. A segunda série seria vencida pelo inglês W. G. Yates, com 49.43,3/5 m.

Na final, realizada três dias depois com os cinco melhores de cada eliminatória, Ernest Webb foi o primeiro a mostrar ao que vinha, impondo ritmo forte, suportado apenas por Goulding, pelo dinamarquês V. Gylche e pelo sul-africano St. Norman. Mas não foram precisas duas voltas completas à pista do Estádio Olímpico para que o quarteto se transformasse em duo, reservado aos dois grandes favoritos: Webb e Goulding.

Com o avançar da competição iam surgindo as desclassificações, nada menos que seis, deixando apenas quatro concorrentes nas voltas finais. E enquanto o jovem italiano Fernando Altimani, de apenas 19 anos, quarto na primeira eliminatória, garantia sem dificuldades a terceira posição nesta final, George Goulding destacava-se na frente, acumulando sobre Webb uma vantagem que cresceu até quase cem metros quando cortou a linha de chegada.

Desta forma, o canadiano reservava para si a medalha de ouro, com o tempo final de 46.28,4 m, uma marca que só depois da II Guerra Mundial seria superada na lista dos recordes olímpicos, por obra do sueco John Mikaelsson nos Jogos de 1948, de novo em Londres. E seria necessário esperar 80 anos para que, nos Jogos de Barcelona, em 1992, outro canadiano ganhasse nova medalha olímpica na marcha – Guillaume Leblanc, segundo nos 20 km.

Após a prova de Estocolmo, George Goulding enviou à mulher, no Canadá, um telegrama lacónico em que fez escrever simplesmente: «Ganhei. George.»

À falta de outras competições oficiais internacionais para além dos Jogos Olímpicos de quatro em quatro anos (e que, para mais, não se realizariam em 1916 devido à eclosão da I Guerra Mundial), a carreira desportiva de George Goulding orientou-se depois para a participação em torneios particulares, tanto no Canadá como nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Qualquer distância lhe servia, desde uma a 40 milhas, tendo vencido mais de trezentas competições até se retirar. Pelo meio ainda foi fazendo exibições invulgares, como corridas contra homens em caleches, ou contra uma estafeta de quatro atletas dos EUA, ou ainda competições com «handicap» (com adversários que partiam com avanço), em todas levando a melhor e sempre atraindo milhares de espectadores a cada nova apresentação. Na diatância que o consagrou como campeão olímpico, os 10 km, fixou o recorde pessoal definitivo em 44.57,4 m, corria o ano de 1915.

É desse ano uma notícia publicada nos Estados Unidos pelo «The New York Times», a 29 de Novembro, e que demonstra a importância de um campeão olímpico e o valor do seu estauto de amador ou profissional. Segundo o jornal, Goulding era mais um atleta sobre quem pendia investigação relativa ao seu estatuto de amador. Vinha de um marchador da velha escola, William Parry, a alegação de que o campeão olímpico de Estocolmo recebia «luvas» para participar em provas de marcha.

Ao tempo era permitida a dedicação profissional ao atletismo, mas não a quem se reclamava do estatuto de amador. No entanto, a grande relevância que um problema deste tipo assumia então acabava minada pelo facto de Geoorge Goulding não ser filiado na Amateur Athletic Union, espécie de federação de atletismo dos EUA. Sendo canadiano, Goulding era filiado na federação do seu país, pelo que um processo daquele género poderia, no máximo, impedi-lo de competir como amador nos Estados Unidos. E, como admitia a mesma notícia, mesmo que se provasse aí uma acividade desportiva profissional, a federação canadiana não daria valor a qualquer decisão vinda de fora da sua jurisdição, pelo que o assunto se tornava quase irrelevante.

De qualquer forma, George Goulding, sempre reconhecido com um cavalheiro que prezava a honra a cima de tudo, afirmou em todas as circunstâncias nunca ter recebido qualquer importância que fosse além do pagamento de despesas de deslocação.

George Goulding morreu na sua cidade de adopção, Toronto, em 3 de Fevereiro de 1966, com 80 anos. Onze anos antes, o seu nome tinha sido inscrito no Canada Sports Hall of Fame, o quadro de honra dos desportistas do Canadá, que assim atestava a sua condição de um dos mais extraordinários praticantes de marcha atlética que o mundo conheceu. Ou a história de um atleta que começou por dedicar-se à corrida mas cedo percebeu que marchando chegaria mais longe.

Currículo
Nome: George Henry Goulding
Naturalidade: Hull (Inglaterra)
Data de nascimento: 17/11/1885


“Palmarés”
1906: inicia em Toronto a actividade como maratonista no Toronto Central YMCA
1907: vence uma maratona de 26 milhas entre St. Thomas e Londres
1908: inicia-se na marcha
1908: campeão do Canadá nas 3 milhas marcha
1908: 4.º lugar nos 1500 m marcha dos Jogos Olímpicos de Londres
1909: obtém 18 vitórias em 19 provas
1910: estreia-se em provas nos EUA com um recorde da milha em marcha em 6.29,1/5 m
1910: vence duelos com os britânicos Ernest Webb e George Larner
1911: estabelece o recorde da milha em 6.25,4/5 m
1912: vence os 10.000 m marcha dos Jogos Olímpicos de Estocolmo com 46.28,4 m (recorde olímpico)
1916: estabelece o recorde de 50.40 m nas 7 milhas
1925: participa pela última vez em competições de marcha
1932: actua como juiz de marcha nos Jogos Olímpicos de Los Angeles
1955: admitido ao panteão dos desportistas canadianos