Foto: arquivo O Marchador |
Palco da 21.ª Taça do Mundo de Marcha, Namburg, pequena cidade de 25.000 habitantes, localizada a 50 km de Leipzig, acolheu delegações de 54 países. Com largas tradições na marcha atlética, pois aí tem lugar, desde 1953, uma importante competição internacional, são conhecidos os bons resultados alcançados por atletas da então República Democrática Alemã (RDA). Em 50 km marcha estabeleceu-se, inclusivamente, um recorde mundial de pista, da autoria de Peter Selzer (4.04.19), no ano de 1972.
Pela primeira vez no historial da competição, o escalão de juniores (10 km) foi integrado no programa competitivo com vitórias de Sun Chao (China) na prova masculina, e de Vera Sokolova, na prova feminina. Nos seniores, triunfaram Jeffersón Perez (Equador) e Yelena Nikolayeva (Rússia), nos 20 km, e Aleksey Voevodin (Rússia) nos 50 km. A China (20 km masculinos e femininos) e a Rússia (10 km juniores femininos e 50 km masculinos) alcançaram dois triunfos cada, e o México arrecadou a medalha de ouro nos 10 km juniores masculinos.
De notar que todos os vitoriosos atletas da Rússia eram provenientes da República da Chuvasquia, pequena região central do país e cuja capital, Cheboksary, fora palco em 2003 de uma espetacular edição da Taça da Europa de Marcha, com a presença de 40.000 pessoas ao longo de um circuito de 2 km.
A representação portuguesa contou com a maior delegação de sempre (15 atletas) e um saldo bem positivo, destacando-se o excelente 4.º lugar coletivo da muito equilibrada equipa de 50 km e as excelentes prestações de Pedro Martins (12.º) e Jorge Costa (13.º) nesta mesma distância. Completariam a equipa António Pereira (25.º), Luís Gil (38.º) e Mário Contreiras (39.º). Nos 20 km masculinos, João Vieira foi o melhor dos portugueses numa agradável 17.ª posição, seguindo-se Augusto Cardoso (42.º), Diogo Martins (59.º) e Bruno Reis (63.º). Nos 20 km femininos, que registaram a ausência, por lesão, de Susana Feitor, competiram Maribel Gonçalves (29.ª), Inês Henriques (34.ª), Vera Santos (36.ª) e Ana Cabecinha (56.ª). Nos juniores, Fátima Rodrigues foi 36.ª e Gonçalo Bejinha 26.º.
Luís Dias, à época técnico nacional de marcha, foi o responsável técnico da comitiva, acompanhando-o os técnicos Jorge Miguel, Paulo Murta e José Magalhães. Pedro Branco (médico) e Ricardo Paulino (fisioterapeuta) integraram a comitiva oficial. O chefe da delegação foi o sempre afável e diligente Carlos Miranda, membro da direção da FPA.
Jorge Costa, recém retirado da alta competição, tem em boa memória esses 50 km que constituíram o seu melhor resultado em Taças do Mundo:
“Recordo-me que quando chegámos a Naumburg, já pouco passava do período da hora de almoço, foi complicado encontrar algum sítio para se comer. Lá entrámos numa “tasca” e nos orientámos. Na véspera dos 50 km, fiz um treino ligeiro e senti-me sem reação. No dia da prova e depois de tomado o pequeno-almoço, eram cinco da manhã, notei, no aquecimento, que estava bem solto. Completamente diferente do que se passara no dia anterior. Seria o primeiro indício de que as coisas poderiam correr-me de feição.”
Jorge Costa, que perseguia os mínimos para os Jogos Olímpicos de Atenas, viu a Taça do Mundo como a última oportunidade de alcançá-los. Tal com o seu companheiro de equipa, Pedro Martins, estagiou em altitude e esteve duas semanas em casa deste, em Seia, ambos trabalhando arduamente.
“Até aos últimos 15 quilómetros de prova tudo corria normalmente. A partir daí, o apelo às últimas forças foi enorme. Então, eu e o Pedro, que estávamos num pequeno grupo com outros atletas estrangeiros, decidimos que cada um devia puxar um quilómetro. Alternadamente. Isolámo-nos dos outros. Não podíamos perder tempo. Já na última volta do circuito de 2 km, a entreajuda passou a ser a cada 500 metros”
Jorge ainda se recorda de um episódio curioso quando já na última volta, passando pela mesa do abastecimento colocada a 50 metros depois da meta, adianta-se ao Pedro, sete, oito metros e... de repente... ouve-o gritar “espera por mim, senão eu não aguento mais...”. Lá se reagruparam e ainda contaram com a preciosa colaboração do António Pereira que estava a ser dobrado e se disponibilizara a ajudá-los.
“Nestes momentos todas as ajudas são importantes e sei que, de um momento para outro poderíamos perder facilmente trinta segundos, um minuto, e não estávamos assim tão folgados para o objetivo, comum, a que nos propúnhamos. O Pedro acabou por acelerar nos últimos metros e eu então reparei que o juiz-chefe, creio que da Malásia, olhava-o fixamente. Lá pensei que o essencial, para mim, era fazer os mínimos para os Jogos e consegui!”
Jorge concluiu dizendo, emocionadamente, que, em Novembro de 2003, ao comentar com o seu pai o sonho que lhe invadia a alma de poder estar presente nuns Jogos Olímpicos, perguntou-lhe, descrédito, se achava que conseguiria. “Meu filho, vai treinando e verás que consegues”. Infelizmente já não viveu o tempo suficiente para saber que as suas proféticas palavras se tornariam uma realidade.