José Magalhães, treinador de atletas internacionais, foi um excelente especialista nos 50 km marcha, onde alcançou por quatro vezes o título de campeão nacional. Várias vezes internacional, esteve em dois Jogos Olímpicos (Barcelona-92 e Atlanta-96). De uma conduta exemplar na competição ou fora dela, Magalhães oferece aos leitores de “O Marchador” o relato de uma vida num só clube, o Atlético Clube Alfenense.
Por razões de mudança domiciliária e por motivos de não gostar do ambiente da juventude do sítio onde passei a viver, arrastei comigo alguém para fazer umas corridas. Ajudei a construir a secção de atletismo no Alfenense e filiamo-nos na Associação de Atletismo do Porto em 1977. Tirei uns cursos de monitor, fiz umas reciclagens e frequentei em Coimbra um curso de treinador em 1980.
Treinei as várias disciplinas do atletismo, sempre com muitos jovens por esses anos fora, até que em 1987 o Augusto Cardoso demonstrou grande aptidão para a marcha atlética e, como não tínhamos um local para treinar, éramos obrigados a fazer esses treinos na Estrada Nacional 105, que atravessa toda a vila de Alfena.
Nessa altura, fazer marcha era (como se diz na boca do povo) «mariquice» e, com 34 anos de idade, acompanhei-o na rua e fiz dele o atleta que encontramos nos dias de hoje. Mesmo assim foi preciso eu conciliar a minha disponibilidade com a sua actividade profissional.
Como comecei a demonstrar valor, começaram a aparecer convites e alguns subsídios de clubes do continente – e até cheguei a ter duas propostas da ilha da Madeira e dos Açores, algo que nunca foi possível no Alfenense!
Em Portugal continental, os convites surgiam de clubes como o Boavista F.C., o F.C. Porto, mas foi aos 42 anos que surgiu o melhor convite. Foi do S.L. Benfica e este com o melhor subsídio do que os dos outros clubes atrás referidos. Nunca aceitei esses convites, não por não gostar destes clubes mas simplesmente para não dar razão e acabar o que eu ajudei a construir.
Se pensam que tive tarefa fácil, por já estar há 36 anos neste pequeno «grande clube», enganam-se, tal e qual como quando comecei a ter atletas e a fazer estágios pela federação. Ainda hoje estou à espera que paguem as minhas deslocações e do atleta aos primeiros estágios que fizemos. E já lá vão vinte anos!
Tal como no Alfenense cheguei a ter alguns salários enterrados no clube e ainda tive directores que me fizeram a vida negra, mas, como os homens passam e o clube fica, fui-me ficando pelo grande clube sem subsídios, fui fiel a um só clube, sem ter histórias de outros clubes para mais tarde contar, porque, apesar de estar só num clube, teria muitas para contar!
Por exemplo, nos anos 1995 e 1996 tive um patrocínio da Adidas! Aqui tenho que agradecer ao Jorge Miguel o facto de ele e a Susana estarem ligados à Adidas, o que me deu uma ajuda. Em 1997 fiquei sem o patrocínio. Tentei através de outras pessoas arranjar um, o que ia acontecendo se não fossem os tais homens ditos directores do meu clube.
Conheci um vendedor de equipamentos de várias marcas desportivas e ele tinha uma casa de desporto em que vendia material dessas marcas. Falei com ele e pediu-me o currículo. Sem dúvida, através dele iria conseguir um bom contrato com a Diadora. Nessa altura, o contrato seria para dois anos, num valor de 400 contos. Mais uma vez será que pude contar com certos homens ligados ao Alfenense?
Ora, mais uma vez estes iriam desapontar-me, certo e direitinho. Ora vejam: para eu conseguir esse contrato, o Alfenense teria que justificar com um documento no valor de 18 contos com a Diadora portuguesa; esta por sua vez justificava o valor atrás com a Diadora mãe (italiana).
Claro que eu iria ficar rico, caso fizesse este contrato, e o Alfenense pobre – é a lei da vida. Ao fim de vinte anos no clube e com dois Jogos Olímpicos feitos pelo Alfenense, fez-se uma reunião de direcção mais o homem que me iria arranjar patrocínio, mas no fim, por causas que ainda hoje não entendo, ficou tudo em águas de bacalhau. Seria o facto de eu ir andar bem vestido e eles não que os estava a incomodar? Não sei.
Esta foi uma de muitas que me fizeram. No entanto, continuo por lá, até um destes dias. Sou contra vários atletas que mudam de um clube para outro por um simples sorriso, ou então acham que vão representar outro clube maior do que aquele que lhes deu a mão quando iniciaram a actividade.
Visto isto, tendo em conta o quanto fiz pelo Alfenense e por muitos atletas que passaram pelas minhas mãos, de certeza que faria o mesmo várias vezes.
Em jeito de rodapé, ao falar no Augusto não estou a esquecer-me dos outros atletas, mas foi por causa dele que eu comecei a fazer marcha atlética. E isso tenho a agradecer-lhe a ele.
José Magalhães