Federação internacional discute futuro dos 50 km marcha
nas grandes competições mundiais. Foto: IAAF
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O Conselho da Associação Internacional de Federações de Atletismo (AIFA – ou IAAF, na sigla em inglês) reúne-se nos próximos dias 12 e 13 de abril, em Londres, para entre outros assuntos discutir uma proposta que inclui a possibilidade de eliminação das actuais distâncias de 20 km e 50 km marcha dos programas das grandes competições mundiais – campeonatos mundiais de atletismo, campeonatos mundiais de marcha por selecções e Jogos Olímpicos. A proposta aponta para a adopção da meia-maratona como nova distância das provas da disciplina (masculinos e femininos) nas grandes competições mundiais de 2019 (campeonatos do mundo de Doha) e 2020 (Jogos Olímpicos de Tóquio).
A discussão da proposta não terá sido precedida de qualquer debate envolvendo atletas, treinadores, dirigentes ou juízes ligados à marcha atlética, resultando unicamente da reflexão dos membros do Comité de Marcha da AIFA, após a discussão prévia entre a AIFA e o Comité Olímpico Internacional (COI) sobre o programa dos Jogos de Tóquio de 2020.
No que se refere aos 50 km, a distância integra o programa olímpico desde 1932, quando dos primeiros Jogos realizados em Los Angeles. Desde então, nunca deixou de ser parte do programa dos Jogos Olímpicos, com a excepção de Montréal-1976, com imediata compensação pela federação internacional de atletismo, que poucas semanas após o fim dos Jogos levou a efeito uma edição especial dos mundiais de atletismo apenas para atribuir um título mundial precisamente nos 50 km marcha (sete anos antes da primeira edição oficial dos mundiais de atletismo de Helsínquia, em 1983).
Além disso, todas as 27 edições da Taça do Mundo de Marcha (a última das quais, Roma-2016, já com a designação de Campeonatos do Mundo de Marcha por Selecções) assentaram em duas distâncias para os seniores masculinos: 20 e 50 km. Por fim, a distância longa tem sido permanente nos programas dos mundiais de atletismo desde a já referida primeira edição de 1983.
Realidade semelhante caracteriza a história dos 20 km marcha nos programas em questão. A única diferença é que a distância foi adoptada mais tarde que os 50 km, surgindo nos Jogos Olímpicos de Melbourne, em 1956. Desde esse ano nunca deixou de haver 20 km marcha nas grandes competições mundiais, incluindo para o sector feminino, a partir da Taça do Mundo de Marcha de 1999, em Mézidon-Canon.
Em contrapartida, a meia-maratona (que aparentemente é proposta como alternativa na marcha aos 20 km, suprimindo-se os 50 km) não tem qualquer tradição no atletismo fora do âmbito das corridas – na marcha, é uma distância totalmente irrelevante, sem projecção internacional nem interesse nacional seja em que país for. E, de resto, também não se percebe que interesse pode existir em trocar uma prova de 20 km por outra de pouco mais que 21 km, a não ser que esteja em curso algum plano não divulgado para refazer as listas de recordes mundiais. Mas, a ser verdadeiro, tal facto deveria então ter expressão em todas as especialidades do atletismo e não apenas na marcha.
Estranha-se, por isso, que a federação internacional esteja agora a discutir a descontinuidade das distâncias tradicionais da marcha nas grandes competições mundiais, precisamente num momento em que está fresca a decisão de aprofundar a participação nos 50 km através do envolvimento feminino na distância, a única dos programas oficiais que permanecia «exclusiva» para homens.
De diferentes pontos do mundo têm chegado reacções a este caso. Tim Erickson, do Victorian Race Walking Club (Austrália), antigo marchador internacional de 50 km e personalidade muito considerada no universo da marcha pela trabalho que desenvolve no domínio informativo, lamenta o secretismo que está a envolver o processo e assinala: «Nem uma palavra transpirou para a comunidade mais alargada da marcha atlética (...) Os nossos representantes no Comité de Marcha da AIFA deveriam manter-nos informados de assuntos como este e reunir opiniões antes de avançarem neste tipo de processos.»
Também o marchador canadiano Evan Dunfee, quarto classificado nos 50 km dos recentes Jogos do Rio de Janeiro, critica a AIFA por estar a agir em segredo e recorda que a distância longa da marcha foi uma de apenas duas provas do atletismo (entre 47) a ter quatro continentes representados nos quatro primeiros lugares (a outra foi o lançamento do peso feminino), no que considera uma demonstração de universalidade da disciplina e da própria distância.
Dunfee destaca o facto de as provas de marcha serem das poucas que ainda são de acesso livre a espectadores, uma vez que são realizadas em circuito na via pública, alargando dessa forma a experiência olímpica a mais pessoas. E deixa o apelo a que nenhuma decisão seja tomada em prejuízo dos atletas com objectivos já definidos para o ciclo olímpico em curso.
Recordista mundial e tricampeão europeu de 50 km, o francês Yohann Diniz garante estar empenhado na criação para muito breve de uma acção de protesto contra a proposta, no que é entendido como reflexo da incredulidade com que os atletas estão a receber a notícia do que vai ser discutido nos próximos dias em Londres.
Tom Bosworth, campeão britânico de marcha, expressou-se também preocupado com o facto de a AIFA estar a discutir um assunto que pode revelar-se catastrófico para muitos atletas, caso venha a resultar na exclusão dos 50 km marcha dos programas de marcha das competições mundiais.
O descontentamento dos marchadores tem já uma expressão colectiva de relevo através do abaixo-assinado criado pelo atleta internacional australiano Chris Erickson e acessível aqui. O texto da petição avança a proposta de manutenção das actuais distâncias do programa olímpico até pelo menos aos Jogos de 2020 e a constituição de um grupo de trabalho que integre dirigentes da AIFA e do COI e representantes dos atletas, com o objectivo de determinar o futuro após Tóquio-2020.
A petição recomenda ainda a equiparação das distâncias para masculinos e femininos nos programas das competições de marcha atlética e chama a atenção dos presidentes do COI e da AIFA, bem como dos órgãos por eles dirigidos, para a necessidade de o processo decisório sobre este assunto ser transparente e participado.
À hora da publicação deste «post», o abaixo-assinado caminhava para as sete mil assinaturas.