Se 1974 foi o ano da primeira prova de marcha atlética na fase do renascimento da disciplina em Portugal, 1975 foi o ano do efectivo arranque da especialidade, com a formação de núcleos de praticantes e a realização dos primeiros torneios dedicados em exclusivo à marcha.
Nas proximidades de Viseu, a Casa do Pessoal da Empresa Nacional de Urânio (Minas da Urgeiriça, em Canas de Senhorim, concelho de Nelas) começou a criar o seu primeiro grupo de marchadores, onde se destacava Carlos Albano, vencedor da prova de marcha realizada em 1 de dezembro de 1974, no Parque do Fontelo, em Viseu. A dinâmica desse grupo revelar-se-ia contagiante na região, levando a que outras colectividades também se interessassem pela marcha atlética.
Foi assim que em 19 de outubro de 1975 teve a lugar a I Prova de Marcha Atlética de Canas de Senhorim, jornada organizada sob o impulso de Carlos Moura, atleta e dirigente do Grupo de Animação Desportiva de Canas de Senhorim, que para o efeito conseguiu reunir o apoio técnico da Associação de Desportos de Viseu e o patrocínio das Organizações Socolar. O programa incluiu uma prova principal de 6 km para atletas com mais de 17 anos e uma prova extra de 3 km para iniciados (14-16 anos) e veteranos (mais de 40 anos).
Atendendo à incipiência da prática da marcha em Viseu (e no país), a lista de prémios pode ser classificada como considerável: para a prova principal, taça para o vencedor, taças para as cinco primeiras equipas (mínimo de 5 atletas) e medalhas para os classificados do 2.º ao 25.º lugares; para a prova extra, medalhas para os cinco primeiros de cada escalão.
Carlos Albano foi o vencedor da prova principal de Canas de Senhorim, representando a Casa do Pessoal da Empresa Nacional de Urânio e juntando este sucesso à vitória no Fontelo. Afirmava-se assim como o mais qualificado dos marchadores de Viseu, iniciando com quase 30 anos de idade um percurso na prática da marcha que o levaria a ser internacional, tendo integrado a seleção nacional que, em 1987, viria a concretizar a primeira participação portuguesa em Taças do Mundo de Marcha (Nova Iorque).
Mais a sul, era Lisboa que pontificava na afirmação da marcha atlética através do desenvolvimento de dois pólos: um no Sport Lisboa e Benfica e outro na zona Santa Iria da Azóia e da Póvoa de Santa Iria.
No Benfica, Francisco Assis, que então desempenhava funções na Direcção Geral dos Desportos, tinha sido integrado na estrutura técnica da secção de atletismo do clube para orientar os escalões de formação. Logo aí, assumindo uma visão que assentava na ideia de oferecer aos jovens atletas a oportunidade para experimentarem todas as disciplinas da modalidade, sentiu que teria de incorporar a marcha atlética nos planos de treino e no calendário competitivo. Para Francisco Assis, o desporto devia proporcionar aos jovens uma formação global, abrindo caminho a uma fase de especialização nas fases mais adiantadas do processo de crescimento biológico e desportivo.
Foi dessa forma que a marcha surgiu integrada nos Torneios dos Bairros e nos torneios de captação realizados na pista de tartan do Estádio da Luz. O primeiro momento em que tal aconteceu foi em 2 de Novembro de 1975, numa ocasião que resultou na participação de alguns dos atletas que viriam a destacar-se no plano nacional nos anos seguintes. O S.L. Benfica iniciava assim uma fase de crescimento na marcha atlética que haveria de tornar o clube não só num pólo de dinamização da especialidade mas também no mais forte clube de marchadores do país.
Já na zona de Santa Iria e Póvoa, quem marcava o ritmo da afirmação da marcha eram o francês Raymond Ysmal e Aires Denis, colegas de trabalho na Telemec, empresa instalada no Prior Velho (Sacavém). Os primeiros clubes dessa área a aderir à marcha atlética e a empenhar-se nesse esforço foram o Clube de Futebol Santa Iria e o Atlético Clube Povoense, de onde vinham alguns dos participantes em provas que começaram a surgir à volta de Lisboa, para além daquelas levadas a efeito pelo Benfica. Também a Telemec criava por esses tempos o seu núcleo de marchadores, que se reuniam para treinar e participar nas provas organizadas pelos próprios ou por outros.
Estádio Nacional, Magoito (Sintra) e Queluz foram locais onde tiveram lugar algumas dessas provas, na segunda metade de 1975. A prova no Estádio Nacional terá mesmo sido a primeira realizada em Portugal em pista de material sintético (descontando os já referidos torneios de captação do Benfica na pista do Estádio da Luz).
O entusiasmo gerado por esta dinâmica levou Aires Denis a abordar a Federação Portuguesa de Atletismo, tentando convencer os dirigentes federativos a integrar a marcha nas competições. Não encontrando receptividade às suas propostas, voltou-se para a Associação de Atletismo de Lisboa, onde o acolhimento foi mais favorável, conseguindo ainda nesse ano que a AAL criasse a Comissão Dinamizadora da Marcha. Faziam parte dessa estrutura o próprio Aires Denis e ainda Raymond Ysmal, Carlos Andrade, António Dinis (filho mais velho de Aires) e Ana Maria.
Não tardaria muito que Mário Paiva assumisse o cargo de presidente da AAL, integrando Aires Denis na sua equipa directiva, com a responsabilidade de desenvolver a marcha e de organizar provas da especialidade em diferentes localidades do distrito de Lisboa. Mas essa já é matéria para próximos episódios da história dos primeiros 50 anos da marcha atlética em Portugal.