Ana Cabecinha no pódio dos Europeus Sub-20 em Tampere 2003. Fotos: O Marchador e Revista Atletismo |
A então jovem atleta do Clube Oriental de Pechão mostrava sinais evidentes de poder vir a ser uma das melhores atletas mundiais na disciplina da marcha mas por cá não se acreditava que tão cedo pudesse alcançar uma medalha num grande evento internacional, tarefa que estava reservada a Nélson Évora, que acabou por confirmar os seus créditos ganhando as outras duas medalhas pela equipa nacional, ambas de ouro.
E tanto assim foi, que dos treinadores que enquadravam a delegação de atletas que a FPA selecionou para Tampere, nenhum estava ligado minimamente à especialidade da marcha. Ana Cabecinha, que detinha à partida para os 10.000 metros marcha, o oitavo melhor tempo, acabou por ser «socorrida» tecnicamente durante a competição pelo seu colega marchador Diogo Martins, também ele participante no evento e que assistia à prova, por via de contacto telefónico com o treinador da atleta, Paulo Murta, obtendo deste, e desde Portugal, as instruções necessárias.
Até esse ano, apenas três marchadoras haviam conseguido medalhas em competições internacionais. Susana Feitor era a grande figura portuguesa da marcha atlética, que já colecionava 7 medalhas, entre provas do escalão Sub-20, Sub-23 e de seniores. Sofia Avoila, oito anos antes, ganhara uma medalha de ouro em Europeus de Sub-20, e Vera Santos, menos de um mês do feito de Cabecinha, obtinha uma medalha nos Europeus de Sub-23.
Competindo na jornada inaugural, a atleta algarvia quis marcar o ritmo para a equipa nacional e tratou de surpreender, com uma inesperada, para muitos, subida ao pódio. Mas quem habitualmente a acompanhava na marcha atlética portuguesa sabia que a atleta do Clube Oriental de Pechão detinha capacidades invulgares para a competição na disciplina, sendo uma das grandes especialistas mundiais no escalão. Faltava apenas a confirmação.
Durante a prova, Ana Cabecinha foi-se mantendo sempre no grupo das melhores e a meio, quando outras começaram a ceder, a portuguesa viria a ser, já no derradeiro quilómetro, a última a atrasar-se das duas russas que discutiriam entre si a vitória nas últimas duas centenas de metros.
Estava, assim, dado o tiro de partida, como a própria atleta viria a reconhecer, como que um click que a fez ver que o seu futuro passava por uma aposta mais forte na especialização. Aposta certeira, pois, em uma década de competições ao mais alto nível internacional (2010-2019), foi uma das pouquíssimas atletas da marcha no mundo inteiro, se não a única, que manteve uma impressionante regularidade no Top 8 das 16 provas realizadas a que, porventura, terá apenas faltado uma medalha num grande evento internacional (se excluirmos a que conseguiu na Taça da Europa de Marcha de 2017) para, como se costuma dizer, colocar a “cereja no topo do bolo”, que esteve muito perto disso, nos mundiais de Pequim, em 2015.