Na foto: José Dias, Júlia Ribas (esposa de A. Denis), Aires Denis e Carlos Eufrásio. Capa/foto de Álvaro Rocha Pires. |
No dia 19 de Abril de 1989, um grupo de marchadores (não apenas atletas mas também treinadores, dirigentes e juízes, além de familiares e amigos) reuniu-se num restaurante de Lisboa para prestar homenagem a uma das figuras mais marcantes da história da marcha atlética em Portugal: Aires Denis. A ocasião permitiu o convívio entre os presentes, mas também uma breve intervenção de cada um e a leitura de mensagens chegadas de pessoas que não puderam estar presentes.
Uma vez que as palavras proferidas no local pelos participantes resultaram de improvisos, não ficou qualquer registo do que foi dito. No entanto, as mensagens recebidas em forma escrita foram compiladas por Álvaro Pires, um dos presentes, e autor do texto do encontro, publicadas numa edição do boletim «O Marchador», que o pai do atleta Paulo Pires então coordenava.
No dia em que passa um ano sobre o desaparecimento de Aires Denis, o blogue «O Marchador», herdeiro dessa tradição editorial já com décadas de caminho, republica alguns dos textos então recebidos pela organização da homenagem e lidos durante a sessão. Aqui ficam, pela primeira vez em formato digital, os textos de João Castelo Branco, delegado de Lisboa da Direcção Geral dos Desportos, Jorge Salcedo, secretário-geral da Federação Portuguesa de Atletismo, e Carlos Gomes, atleta e sobrinho do homenageado, com uma introdução por Álvaro Pires, conforme publicado na edição número 8 de «O Marchador», referente a Abril de 1989.
Foi com incontida alegria e inegável orgulho que “O Marchador”, através do seu responsável, se viu inserido na prestação de uma homenagem.
Homenagem justa, sinceramente prestada por atletas, técnicos, dirigentes de clubes desportivos, associativos e federativos, amigos em suma, ao homem a quem, a marcha atlética e todos os que a praticam ou a ela se encontram de qualquer modo ligados, tanto devem: Aires Denis.
Vários oradores, em eloquentes improvisos, ergueram suas vozes transbordantes de sinceridade e entusiasmo, recordando momentos altos vividos com e pelo homenageado desde os primeiros e hesitantes passos da marcha em Portugal até à grata realidade que hoje, indubitavelmente, constitui no panorama do atletismo nacional e internacional.
Das palavras escutadas e, sobretudo, pela forma como foram proferidas, - inúmeras vezes entrecortadas pela emoção sentida-, ressaltaram: a beleza incomparável e ímpar do falar do coração: a força da união dos homens quando irmanados no mesmo querer e, finalmente, a todos os que não tiveram esse previlégio, o verificarem como deve ter sido extraordinário viver tal experiência, ter sido parte integrante de um todo de tão indómita vontade e fé inabalável.
Elogios de toda a espécie, fundamentados e justos na opinião geral, entusiasticamente aplaudidos por todos os presentes, foram feitos à sua personalidade e dedicação á marcha atlética.
De tudo foi “acusado” até de ser “pai” da marcha em Portugal.
Por tal paternidade as felicitações d’ “O Marchador”, pois deve sentir-se extremamente feliz e realizado como “pai” ao verificar que a sua “filha” cresceu, está forte e sadia, certa no caminho a percorrer e de futuro garantido pelos exemplos recebidos.
Finalmente, culminando a já longa, mas sempre prenhe de interesse, série de intervenções, Aires Denis (depois de tanta “pancada” ter recebido) levantou-se e tomou a palavra para com chave de ouro encerrar a sessão.
Sereno, ainda que naturalmente emocionado, em inteligente oração, descreveu-nos em vibrantes palavras, ricas de conteúdo, modestamente, os anos de luta travada para a implantação da marcha no nosso país.
Modestamente, repete-se, pois ao longo da sua dissertação, sempre teve a preocupação de salientar a importância de terceiros no enorme, mas fecundo, trabalho desenvolvido de divulgação e promoção da especialidade, nomeadamente Raymond Jules Ysmal, na fase inicial e certamente a mais difícil e, mais tarde, os irmãos Dias, e tantos outros, como praticantes e colaboradores de real valor até ao presente.
Do “nada” aos Jogos Olímpicos, - da utopia ao inconcebível de atingir -, obra de que muito se deve orgulhar.
Na sua opinião, acentuou, para tal objectivo ser conseguido, foi decisiva a contribuição em esforço, dedicação, força de vontade, espírito de sacrifício, capacidade de sofrimento e superioridade psicológica dos atletas.
Aires Denis reconhece-o pois, atleta como é, sente na pele o seu sentir.
Os seus nobres exemplos frutificaram!
Criaram indestrutíveis raízes!
Proveitosa lição recebemos com as suas palavras, sombra da grandeza das suas acções.
A vigorosa e expontânea salva de palmas recebida, - todos os presentes em pé -, certamente jamais esquecerá.
O ambiente de amizade e calor humano com que se viu rodeado, indelevelmente marcado ficará em sua mente e em seu peito.
Os presentes recebidos, pelo seu significado lembrar-lhe-ão o reconhecimento da grande família da marcha por tudo quanto lhes deu até aqui, generosa e desinteressadamente.
Os abraços de felicitações, o quanto essa grande família ainda espera do seu patriarca nos longos e saudáveis anos que lhe deseja de vida.
Bem-haja Aires Denis!
Por si e consigo, em sintonia de sentimentos, vivemos mais uma grandiosa jornada de marcha atlética!
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Foram várias as entidades que enviaram mensagens, por impossibilidade de estarem presentes, e por não quererem deixar de expressar as suas felicitações e o seu reconhecimento pelo valor da tarefa desempenhada pelo homenageado a bem do atletismo e, em especial, da marcha atlética nacional.
J. Castelo Branco
Delegado da Direcção-Geral de Desportos
“Acusando a recepção do vosso amável convite, apresento a V.Exas. as minhas desculpas pela impossibilidade de estar presente em tão justa homenagem, uma vez que estarei ausente do país naquela data.
Não posso, no entanto, deixar de apresentar as minhas felicitações a quem reconheço ter sido um grande impulsionador da Marcha Atlética, o que só foi possível através de um enorme e persistente esforço, o que tanto contribuiu para a implementação da modalidade a nível nacional.”
Jorge Salcedo
Secretário-Geral da Federação Portuguesa de Atletismo
Telegrama:
“Impossível comparecer merecidíssima festa de homenagem por estar ausente no Porto.
Espero, para bem do atletismo português, continue a honrar-nos com a sua colaboração, e a dedicar à modalidade que escolheu, o mesmo amor com que a tem brindado até hoje.
Um grande abraço.
Jorge Salcedo.”
Carlos Gomes
Mensagem a ser lida por ocasião da homenagem a Aires Denis em 22 de Abril de 1989
“Sr. Aires Denis
Colegas
Amigos
Na impossibilidade de estar presente nesse jantar-convívio de homenagem a Aires Denis, a quem me unem além de laços de amizade, fraternos laços de sangue de que muito me orgulho, não poderia deixar de me associar a tal iniciativa, em boa hora pensada e melhor concretizada.
Homenagear Aires Denis é, naturalmente, demonstrar o apreço por quem, a partir do zero, trabalhou para implementar e desenvolver no nosso país uma disciplina do atletismo que, em menos de 15 anos, já deu a Portugal três finalistas olímpicos e muitos outros atletas internacionais. E, estou certo, continuará a dar, tal como continuará a ser dada a importante ajuda de Aires Denis. Com este desejo penso partilhar o sentimento de todas as pessoas ligadas à Marcha Atlética, particularmente as de Coimbra, cidade que viu nascer o nosso homenageado.
Para Aires Denis, meu tio, fica um forte abraço de agradecimento pelo trabalho prestado e a prestar à nossa disciplina olímpica do atletismo que, espero, possa continuar a evoluir de acordo com os sonhos de Aires Denis, sempre sonhador, mas sempre lúcido.
Coimbra, 19 de Abril de 1989
Carlos Gomes “