Enchapelados e até engravatados, os praticantes de marcha atlética foram até Sintra, há 90 anos – e voltaram |
Com a devida vénia ao extinto jornal «A Capital» e ao autor da peça, transcreve-se de seguida um texto de Appio Sottomayor sobre a realização de uma prova de marcha entre Lisboa e Sintra, ida e volta, no ano de 1907. Appio Sottomayor é um olisipógrafo que durante anos manteve naquele jornal uma coluna regular, com o título «O Poço da Cidade». Na edição de 4 de Agosto de 1997 falou dos antigamente chamados «sports athleticos», dando conta da realização de um torneio de atletismo em Lisboa, no velódromo (!) do Campo Grande, em que tinha havido «saltos em altura, lançamento do peso 'a distância', 'corrida pedestre de velocidade', lutas de tracção, lançamento do disco 'atheniense', corrida de barreiras, salto à vara, corrida 'de resistência' e (...) corrida de obstáculos». A dado passo mencionou a realização daquela prova de marcha, nos termos que seguem (e com a ilustração ao lado, reproduzindo-se igualmente a respectiva legenda).
Também a marcha atlética conhecia um período áureo nesse longínquo ano de 1907. Uma prova de resistência foi organizada entre os mais corajosos praticantes da modalidade. Só que, em vez dos circuitos planos e feitos em estradas alcatroadas como hoje se faz, havia que aproveitar o que a cepa dava, isto é os recursos que estavam à mão.
Assim, para aquilatar do estado dos bofes e das pernas dos homens bravos que andavam a pé, nada melhor que uma marcha até Sintra – e volta. Sintra ainda se escrevia com «C», mas os quilómetros a que distava de Lisboa eram os mesmos, e a estrada forçosamente havia de ser pior.
Segundo as crónicas do tempo, lá partiram mais de vinte voluntários, que fizeram etapas em Benfica (que já era fora de Lisboa), Porcalhota, Queluz, Cacém, Rio de Mouro e S. Pedro. Como não consta que na época houvesse doping ou especiais estimulantes, mas, em contrapartida, se notabilizavam as localidades mencionadas pela existência de algumas locandas onde os líquidos tintos e brancos ascendiam a néctares, não será talvez demasiado ousado supor que alguns atletas se foram dessedentando pelo caminho.
O certo é que o vencedor, um jovem possante que dava pelo nome de Vítor Guedes Júnior, chegou a Sintra em menos de quatro horas e fez o percurso de regresso em pouco mais de três.