A Federação Portuguesa de Atletismo
(FPA) divulgou no passado dia 16 de Janeiro os critérios de seleção para a Taça
do Mundo de Marcha de Taicang (3 e 4 de Maio), sendo evidente uma alteração de
condições traduzida numa muito maior exigência no tocante a marcas de
referência para cada uma das provas do programa. Esta alteração merece algum
comentário.
Imagine-se um(a) marchador(a) da
categoria de seniores, amador, sem apoios federativos e com escassos recursos
do seu clube, que ambiciona representar o país na Taça do Mundo de Marcha de
2014, sabendo que o campeonato nacional de marcha em estrada, a 1 de fevereiro,
constitui importante observação para essa competição internacional.
Também tem a noção de que os
critérios de acesso, baseados na edição anterior, de 2012, poderão justificar
essa ambição. E quais eram as marcas de referência em 2012? Nos masculinos,
4.15.00 nos 50 km e 1.27.00 nos 20 km; nos femininos, 1.39.00 nos 20 km.
Inicia a sua época em
Agosto-Setembro/2013 motivado para enfrentar uma difícil preparação, que
incidirá mais particularmente nos 2/3 meses que antecedem o dito nacional de
marcha (1 Fev./2014), ou seja, um período a começar em Novembro de 2013.
A pouco mais de duas semanas da
competição nacional – infelizmente já é uma tradição a divulgação tardia de
decisões federativas - para que se preparou durante meses, recebe a notícia de
que a FPA decidiu que as marcas de acesso para a Taça do Mundo de Marcha para
2014 são agora, nos masculinos, 4.00.00 nos 50 km (15 minutos mais difícil que
em 2012) e 1.25.00 nos 20 km (2 minutos mais difícil) e, nos femininos, 1.35.00
nos 20 km (4 minutos mais difícil).
O que se poderá esperar de um(a)
atleta, seja de que disciplina for, perante uma situação destas? Desalento,
naturalmente!
Porque uma decisão federativa como
esta, sem precedentes, mata por si só a vontade, o empenho, a abnegação de
muitos que se dedicam à disciplina de corpo e alma. Não estamos a falar de
atletas juvenis ou de juniores que sempre podem dispor de tempo à sua frente (e
até têm tido estágios federativos), mas daqueles que foram, são e continuarão a
ser uma mais-valia quer na disciplina quer no atletismo nacional.
Pena é que a área técnica específica
da disciplina na federação, como seja o sector de marcha e o técnico nacional
de marcha, seja cúmplice desta gravosa medida, não tendo sabido ou mesmo
querido impor argumentos de ordem técnica.
Repare-se no caso mais gritante, o
dos 50 km. Desde 1987, em Nova Iorque, quando, pela primeira vez, Portugal se
apresentou a uma Taça do Mundo de Marcha, que os 50 km têm sido representados
com equipas de 3, 4 ou 5 atletas, com a exceção verificada em Monterrey, em 1993,
onde se fez deslocar apenas a seleção feminina.
A partir de 2002, inclusive, a
seleção nacional dos 50 km sempre se classificou até à 10.ª posição, com o seu
melhor resultado, à beira de uma medalha, a verificar-se em 2004 (Naumburg), com
o 4.º lugar, mercê das marcas de 3.55.29 (Pedro Martins), 3.55.31 (Jorge
Costa), 4.07.30 (António Pereira), 4.19.40 (Luís Gil) e 4.20.02 (Mário
Contreiras).
Por outro lado, foram obtidos, no
plano coletivo, resultados muito relevantes nas Taças da Europa de Cheboksary,
em 2003 (medalha de bronze), e de Metz, em 2009, com o 4.º lugar e o mesmo
número de pontos que a Itália, medalha de bronze. Nesta última prova, se fosse
seguido o critério estabelecido para a Taça do Mundo, Portugal teria
contabilizado outra medalha.
Veja-se, ainda, o caso da Espanha,
uma das potências mundiais da especialidade: há 2 anos, na última Taça do Mundo
de Saransk, na Rússia, classificou-se em 5.º lugar nos 50 km, com estas marcas:
3.48.15 (6.º), 4.03.19 (32.º), 4.06.07 (39.º) e 4.19.52 (58.º).
Impor-se agora uma marca de acesso à
Taça do Mundo inferior a 4 horas é negar a participação coletiva, isto se
verificarmos que em 32 anos de história da especialidade no nosso país, com a
primeira prova a realizar-se em 1982, foram poucos os atletas que realizaram a
distância abaixo daquele limite. Apenas seis atletas conseguiram-no em
campeonatos nacionais, disputados desde 1985, sendo que unicamente dois deles
se mantêm em atividade.
Poder-se-á dizer que a FPA tenderá
agora a atenuar a dificuldade das marcas quando menciona nos seus critérios que
“Caso seja tecnicamente justificável poderão ser selecionados atletas sem as
marcas de qualificação”. Receia-se, no entanto, que a aplicação desta premissa
de carácter subjetivo venha evidenciar tendências e pouca transparência de
processos, como já sucedido recentemente, em particular na seleção para a Taça
da Europa de Marcha de Dudince-2013.
E se o motivo de mais este corte
for, como já há quem sugira, de fundamento económico, então mais razões haveria
para estranhar a decisão, tendo em conta a evidente vantagem de usar verbas na
concretização de participações de seleções nacionais em importantes competições
internacionais, sobretudo quando há perspetivas de presença à altura dos
pergaminhos.
O documento da FPA com os critérios
de seleção para as competições internacionais de 2014 pode ser consultado aqui.