Alberto de Sousa, vencedor da prova de marcha de «Os Sports», momentos depois da chegada. Foto: «Os Sports» |
Após a extensa
reportagem publicada a 11 de Abril de 1938 sobre a prova de marcha de 25 km que
levara a efeito na véspera por ruas e estradas de Lisboa e arredores, o já
trissemanário desportivo «Os Sports» continuou a desenvolver o tema da marcha
nas edições seguintes, procedendo primeiro a um comentário e depois a uma
apresentação biográfica do atleta vencedor.
A reflexão sobre a
competição tinha começado logo na reportagem dessa segunda-feira, que
considerou a prova como «uma das mais belas competições desportivas até hoje
efectuadas em Portugal», acrescentando ter-se tratado de imponente, colorido e
belo espectáculo de propaganda desportiva. E assinalava o facto de os
quatrocentos participantes terem-se constituído como auxiliares preciosos de
«Os Sports» nesta iniciativa de fazer renascer em Portugal uma modalidade
atlética que em todo o mundo era apreciada mas por cá tinha caído no
esquecimento uma boa vintena de anos antes: a marcha.
Ora, a edição de
quarta-feira, 13 de Abril, falando de novo da prova, propunha uma reflexão,
também designada «ecos, apontamentos e curiosidades». Começando por dizer que a
marcha era uma «modalidade abandonada pelas entidades oficiais», o articulista
garantia que «a marcha ressuscitou no domingo – e com tamanho esplendor que não
deverá ser levada à conta de optimista a opinião de que a especialidade vai ser
uma das mais populares entre nós».
Mais adiante, depois
de referir que a competição teve a presença de atletas mais jovens e mais
velhos, incluindo veteranos que já tinham passado a casa dos 50 anos, a peça
afirmava «que existem entre nós marchadores com valor e alguns dos quais,
convenientemente preparados, podem colocar-se em destaque em qualquer
competição com estranhos». E acrescentava: «Na prova de domingo, muitos
concorrentes – e entre eles o vencedor – mostraram interessante maneira de
marchar. Não diremos que foram impecáveis, mas satisfizeram.»
E é precisamente ao
vencedor, Alberto de Sousa, que, dois dias depois, na edição se sexta-feira 15
de Abril, é dedicado um espaço importante da primeira página, ilustrado com
fotografia tirada logo após a prova no Parque Mayer. No texto ficava a saber-se
que o atleta era natural do Bombarral e que a prova de marcha o tinha
catapultado para a fama. Logo a abrir, a peça mostrava ao que vinha: demonstrar
as qualidades da prova organizada por «Os Sports», não apenas para relançar uma
modalidade esquecida mas também para criar novos ídolos. Começava assim: «As
grandes competições do desporto têm muitas vezes a virtude de revelar campeões
que estavam ignorados. Nomes desconhecidos tornam-se populares num relance. Foi
o que sucedeu com o Alberto de Sousa, o vencedor da prova de marcha que o nosso
jornal organizou no domingo.»
Começava assim a
criar-se mais uma estrela mundana, um astro do mundo do espectáculo cujo maior
feito tinha sido consagrado (coincidência ou não) no lugar de excelência do
«showbiz» lusitano, o Parque Mayer. E a estrela tinha 24 anos, 17 dos quais
foram passados no Bombarral, onde se fez tipógrafo. Foi também aí que se
iniciou no desporto, praticando futebol no Bombarralense e ciclismo a título
individual.
Vivendo em Lisboa
desde 1931, o anúncio da prova organizada por «Os Sports» despertou-lhe um
interesse que vinha da sensação de andar no dia-a-dia mais depressa do que as
outras pessoas. Não fez qualquer treino específico para a prova, mas empenhou-se
em assimilar os conselhos técnicos publicados nas páginas do jornal nos dias
anteriores à competição.
Numa sequência de
perguntas e respostas, é o próprio atleta quem explica como tudo aconteceu
depois da partida na Praça do Comércio. «Comecei a marcha, senti-me bem
disposto e vi, então, que podia classificar-me em bom lugar.» De início não
sabia até onde iria, além de que a vantagem adquirida de início por Manuel
Guerreiro impedia qualquer veleidade de vitória.
Mas quando o
setubalense começou a ceder e Alberto de Sousa o alcançou, viu então que podia
vencer. «Acelerei o andamento: sentia-me bem disposto e não hesitei em
empregar-me a fundo», explicou.
O resto já se sabe,
ainda que convenha lembrar que, segundo a reportagem inicial, Alberto de Sousa
teve sempre a companhia de outro atleta, Ernesto Freitas, de quem se
desenvencilharia só na parte final da prova, já a descer para o Parque Mayer.
Alberto de Sousa
alinhou na prova com a camisola de um clube lisboeta, facto que justificou da
seguinte maneira: «Representei o Raio Lisboa Clube por ser uma colectividade do
meu bairro. É um clube fundado há pouco tempo, que tem vontade de se afirmar.»
No entanto, a
manifestação de apreço dirigida ao atleta e divulgada pelo jornal veio do Sport
Club Escolar Bombarralense e foi transcrita em «Os Sports». Dizia assim:
«Prezado conterrâneo, ao tomarmos conhecimento da vossa brilhante vitória
alcançada na prova de marcha de iniciativa do grande jornal 'Os Sports',
cumpre-nos apresentar-lhe as nossas mais efusivas saudações, desejando que a
esta vitória outras se sucedam, para honra da vossa vida desportiva e da terra
de que é filho.
Outras oportunidades poderiam
surgir, de facto, dado que, como desejado, a iniciativa do jornal teve reflexos
algumas semanas depois, com a realização de outras provas de marcha, em Lisboa
mas não só.