Foto: arquivo Revista Atletismo (Marcelino Almeida) |
Arons de Carvalho é jornalista de desporto, especialializado em atletismo, tendo quase cinco décadas de ligação a esta modalidade desportiva. Na pista e na estrada, muitas têm sido as suas oportunidades de convivio com a marcha e os marchadores, sendo conhecedor como poucos das realidades nacional e internacional desta especialidade olímpica do atletismo.
A equipa de «O Marchador» agradece a disponibilidade de Arons de Carvalho, sabendo que, para a redacção do texto, a «mesa» de que se serviu foi a beira da cama do hospital onde se encontra internado, em convalescença pós-operatória. Um agradecimentro com a forma, também, de votos de pronto restabelecimento e rápido regresso às lides profissionais e desportivas.
Marcha «abandonada»?
O atletismo, tal como a generalidade das várias modalidades desportivas, tem razão de queixa da quase exclusividade dada ao futebol na comunicação social e, consequentemente, no interesse dos portugueses. No atletismo, a marcha continua a ser um “parente pobre” relativamente às restantes especialidades, embora não num grau tão relevante. Os atletas, técnicos e entusiastas da marcha queixam-se e com alguma razão, embora os êxitos individuais de marchadores em grandes competições (como os de Susana Feitor ou João Vieira, por exemplo) tenham tido, julgo, a justa relevância. O pior é quando a marcha “marcha” sozinha, em competições tipo Taças do Mundo ou Taças da Europa.
Altura para uma chamada de atenção: no atletismo, sempre houve especialidades mais e menos mediatizadas. Cá e lá fora. Os fundistas aparecem muito mais que os restantes atletas (e tiram disso naturais dividendos), devido às provas de corta-mato (no inverno) e de estrada (ao longo de todo o ano). E as provas de 100 metros também são normalmente mais mediatizadas. Ao invés, a par dos marchadores, os lançadores – e nomeadamente os do martelo, normalmente “relegados” para recintos secundários – serão aqueles que têm mais razões de queixa.
Regressemos à marcha. A disciplina é relativamente recente nos programas do atletismo. E tem características não muito apelativas para quem não está com ela familiarizada. As provas são longas e tecnicamente difíceis de entender. As pessoas estão mais receptivas a ver correr que a ver marchar e com dificuldade percebem as razões que levam a que alguns atletas sejam admoestados e desclassificados. E mesmo dentro do atletismo há quem não tenha aceite muito bem a introdução da disciplina, que continua a não ter uma divulgação mundial semelhante à da generalidade das outras especialidades. Há países ainda sem marcha atlética.
Tudo isto se acaba por se reflectir na divulgação da marcha. Ainda agora, o Grande Prémio de Rio Maior, que conseguiu trazer a Portugal os melhores especialistas mundiais (campeões olímpicos, mundiais e europeus), não teve a relevância na comunicação social que se teria justificado. A prova não teve (antes pelo contrário...) menor nível que as famosas meias-maratonas lisboetas, que enchem as páginas dos jornais e mobilizam a televisão e as rádios. Mas as meias-maratonas têm a possibilidade de colocar a correr e andar milhares e milhares de pessoas, enquanto uma prova de marcha reúne escassas dezenas de atletas e algumas centenas de espectadores.
Portugal tem brilhado nas Taças do Mundo e da Europa de marcha, chegando a sagrar-se vencedor colectivo. O feito passa praticamente desapercebido em Portugal. É verdade. Mas também nas Taças da Europa de 10000 m (embora de nível técnico bem inferior) Portugal tem dominado várias vezes e com escasso destaque na comunicação social... Neste aspecto, a marcha não está só!
Em suma: nesta meditação que me foi sugerida e que fui fazendo ao correr da pena (e daí alguma falta de rigor sequencial neste escrito...), não posso deixar de dar alguma razão aos lamentos dos marchadores, embora não sejam eles os únicos a poderem fazê-lo. Mas também é verdade que tem sido esse alegado “abandono” a que a marcha é votada que terá unido os seus elementos e os leve a serem ainda mais determinados e trabalhadores. Nem tudo são desvantagens...