sexta-feira, 24 de abril de 2020

Em 1982 José Pinto abria novos caminhos para a marcha em Portugal

José Pinto no Grande Prémio de Beja e ainda, numa homenagem
do CPMA, Hélder Madeira, Carlos Albano, Hélder Oliveira e
Joaquim Casaca, o organizador do evento.
Fotos: arquivo «O Marchador»
A 24 de Abril de 1982, um acontecimento desportivo marcaria uma trajetória ímpar para a marcha atlética em Portugal, protagonizada por um marchador. Competindo em Beja, durante o II Grande Prémio Planície Dourada, organizado pelo Pax Julia, José Pinto venceu a prova de 20 km marcha com 1.28.50 h, marca que não apenas constituía novo recorde nacional mas também conferia mínimos para os Campeonatos Europeus de Atletismo, a realizar nesse Verão em Atenas.

Num circuito que, de todo, não era fácil, o atleta do Belenenses assinaria um feito histórico da marcha em Portugal tornando-se o primeiro português a conseguir mínimos para uma grande competição internacional, onde seria 14.º, numa prova que teve outro grande protagonista, o algarvio Hélder Oliveira, a representar o Sporting Clube Olhanense, que o acompanhou durante toda a prova e ficou a escassíssimos dois segundos (a duas passadas) dos mínimos (1:29:00) exigidos pela Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) para participar nos Europeus.

Foi com muita insistência que a FPA anuiu à proposta da Comissão Nacional de Marcha a que se estabelecessem uns mínimos que servissem de referência e estímulo para os marchadores portugueses mas bater a marca então fixada era considerada tarefa quase impossível. O recorde nacional, antes de 1982, estava na posse de Paulo Alves com o tempo de 1:34:05, estabelecido na Urgeiriça, em 1980.

Mas José Pinto, naquele ano de 1982, reafirma as pretensões de alcançar o estatuto de atleta internacional. Bate sucessivos recordes das diferentes distâncias em que compete, com especial relevância para os 20 km: em Alenquer, a 21 de fevereiro, vence com 1:30:40 e, no Estádio do Restelo, a 28 de março, ganha com 1.30:17.

A propósito, relembramos um trecho da entrevista concedida por José Pinto ao boletim “O Marchador”, em 1997, em que nos recordou esse fantástico feito no decisivo momento da prova:

“ Nessa altura havia cá em Portugal um grande prémio internacional, o único, que era o Planície Dourada, organizado pelo Pax-Julia, um clube de Beja. Vieram cá atletas com boas marcas… Esteve o Hélder Oliveira, que também fez uma grande marca. Reuniu-se um conjunto de bons atletas e com a moldura humana que envolveu a prova estavam criadas as condições para se realizarem as marcas que se conseguiram realizar nessa altura. Fiz 1.28.50 h.

À entrada para a última volta, eu e o Hélder estávamos atrasados em relação aos mínimos. Tínhamos de fazer quatro minutos e pouco no último quilómetro, o que na altura era andar muito. Eu disse então ao Hélder que não valia a pena esforçarmo-nos porque era impossível fazer o último quilómetro tão rápido. E ele disse (lembro-me perfeitamente): «Não, senhor, vamos fazer os mínimos!» E tomou a iniciativa, acelerou muito mais o ritmo, eu persegui-o. A cerca de 300 metros da meta, disseram-nos que estávamos muito perto de conseguir os mínimos, reuni as últimas forças e dei mais um esticão. Distanciei-me um pouco do Hélder, que acabou por ficar a dois segundos dos mínimos “

O Grande Prémio Planície Dourada foi uma muito arrojada iniciativa das gentes de Beja e, aqui, aproveitamos o ensejo para homenagear igualmente o obreiro da iniciativa, Joaquim Casaca, que foi presidente da Associação de Atletismo de Beja. O evento nasceu em 1981, com vitória de José Pinto num emotivo despique com o espanhol Luis Bueno, o primeiro atleta estrangeiro a participar em provas em solo português, e terminou com a edição de 1983, aqui já com sérias dificuldades, principalmente de natureza económica.

A marca de José Pinto, como a de Hélder Oliveira, foi para a época considerada nos meios atléticos como sensacional, tendo a foto do atleta do Belenenses feito a capa da edição de Junho de 1982 da revista «Atletismo Português», publicada pela FPA, cujo diretor era o presidente de então, Eng. Correia da Cunha, e o Chefe de Redação da revista era Luís Lopes e que, a dado passo, escreveu: “Ele é fruto de um trabalho individual e de uma dedicação coletiva do grupo da marcha, que, no nosso país, tem mostrado uma unidade que calharia bem aos outros setores do nosso atletismo”.

José Pinto viria a ser, em 1983, o primeiro marchador português a participar nuns Mundiais de Atletismo, em Helsínquia, e em 1984, em Los Angeles, o primeiro português na especialidade a tomar parte nuns Jogos Olímpicos, classificando-se em oitavo lugar na prova dos 50 km marcha, sendo motivo de grande destaque na imprensa escrita e falada da época.

Como curiosidade, num grande prémio participado por 96 atletas de 17 clubes, os primeiros 10 da classificação dos 20 km masculinos foi a seguinte:

1.º, José Pinto (CF Belenenses), 1.28.50
2.º, Hélder Oliveira (SC Olhanense), 1.29.02
3.º, Josep Vinuesa (Espanha), 1.31.50
4.º, Eduardo Amorós (Espanha), 1.34.10
5.º, Martín Barrera (Espanha), 1.36.51
6.º, Carlos Albano (CPM Urgeiriça), 1.37.15
7.º, Paulo Alves (CF Santa Iria), 1.37.45
8.º, Manuel Piteira (CF Belenenses), 1.39.30
9.º, Paulo Vieira (CF Belenenses), 1.42.26
10.º, José Tavares (CF Santa Iria), 1.46.57
(...)
Participaram 29 atletas