domingo, 28 de agosto de 2016

Marcha nos Jogos do Rio: balanço português

Depois de desembaraçar-se de Érica de Sena, Ana Cabecinha foi
em busca da melhor classificação olímpica da marcha portuguesa.
Foto: Jeff Salvage
A participação portuguesa nas provas de marcha atlética dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro teve desde logo um mérito relevante: o de igualar o maior contingente de marchadores portugueses em Jogos Olímpicos, com sete atletas e oito participações (2 nos 20 km masculinos, 3 nos 50 km e 3 nos 20 km femininos). Igual quantidade de atletas tinha sido registada em Pequim-2008, sendo que dessa vez ficava de fora uma quarta atleta com mínimos na prova feminina, Vera Santos, atleta que no Rio voltou a ficar de fora, tal como Susana Feitor, ambas com mínimos mas sem vaga na equipa de 2016.

O Rio de Janeiro conheceu ainda na equipa portuguesa de marcha a estreia olímpica de dois atletas jovens: Miguel Carvalho (20 km masculinos) e Daniela Cardoso (20 km femininos), ele ainda sub-23, ela saída há não muito tempo desse subescalão dos seniores (tem ainda 24 anos).

Mantendo uma honrosa tradição que conta já 20 anos, Portugal saiu destes Jogos da XXXI Olimpíada sem marchadores desclassificados, desaire que aconteceu apenas (mas em dose tripla) nos Jogos de Barcelona, em 1992. Daí para cá, o pior que tem acontecido são as desistências.

O programa da marcha olímpica do Rio de Janeiro teve início a 12 de Agosto, com os 20 km masculinos, onde alinhavam João Vieira e Sérgio Vieira, atletas que se apresentavam creditados com marcas da época mais equilibradas do que as registadas na prova olímpica. João Vieira detinha à partida como melhor do corrente ano 1.22.34 h, enquanto o irmão Sérgio averbara 1.25.11 h. Naquela que foi a prova menos fustigada pelas condições atmosféricas (21ºC de temperatura, para 60% de humidade relativa), João acabaria com 1.23.03 h (31.º) e Sérgio chegaria à meta com 1.27.39 h (53.º).

Prudente como sempre, João Vieira iniciou a prova com cerca de 4.10 m por quilómetro, melhorando depois para menos de 4.05 m. Por aí se manteve até cerca dos 16 quilómetros, para cumprir os quatro quilómetros finais de forma claramente mais lenta, perdendo cerca de um minuto nessa fase.

Sérgio ainda rodou a ritmos de 4.10 a 4.18 minutos por quilómetro até meio da prova, mas na segunda metade decaiu de forma visível, para quilómetros entre 4.30 e 4.45 minutos, recuperando um pouco nas voltas finais, ligeiramente acima de 4.35 m.

João acabou longe do 10.º lugar de Atenas-2004 e do 11.º de Londres-2012, mas melhor que o 32.º lugar de Pequim-2008, ao mesmo tempo que não melhorava a marca olímpica de Londres (1.20.41) mas superava a 1.25.05 h de Pequim. Quanto a Sérgio, que tinha participado apenas na edição dos Jogos da capital chinesa (45.º, 1.29.51), melhorou agora a marca mas baixou a classificação.

Uma semana depois, dia 19, a manhã carioca ofereceu ao público do Pontal os 50 km, prova com 80 participantes em que alinhavam João Vieira, Pedro Isidro e Miguel Carvalho. O primeiro repetiu cerca dos 10 quilómetros a desistência de Londres, desta vez por problemas de saúde.

Restavam Pedro Isidro e Miguel Carvalho, este na condição de mais jovem marchador da delegação portuguesa e estreante nas lides olímpicas. O mais velho dos dois benfiquistas começou a competição a rodar para menos de quatro horas de marca final mas ainda antes de meio da competição já essa referência estava comprometida, com uma perda de ritmo que, não sendo demasiado evidente, não deixava de representar uma perda de um minuto entre os 10 e os 20 quilómetros.

A situação agravou-se com os problemas gástricos que deitaram tudo a perder com a entrada na segunda metade da prova. Pedro Isidro terá feito pelo menos duas paragens que, apesar de tudo, tiveram uma vantagem: aliviaram o atleta e deixaram-no livre para cumprir em grande estilo as voltas finais. Em tão grande estilo que foi um dos mais rápidos nos 10 quilómetros derradeiros, que cumpriria em 45.53 minutos e onde só sete outros atletas conseguiram melhores parciais. Um restabelecimento que lhe permitiria subir muitos lugares na classificação até chegar ao 32.º posto, ainda assim melhor que o 37.º lugar de Londres, mas com marca mais fraca (4.03.42, contra 3.58.59 na capital britânica).

Miguel Carvalho revelou plena consciência das condições que o dia do Rio de Janeiro oferecia e fez uma prova cautelosa. A meio da competição era mesmo o português melhor classificado, ganhando lugares praticamente em cada volta. Assim foi seguindo até cerca dos 35 quilómetros, momento em que surgiu a quebra que levou o rio-maiorense para ritmos acima dos cinco minutos por quilómetro, numa desaceleração que, ainda assim, não comprometeu o lugar que ocupava no início do último terço da prova: o 36.º posto em que acabaria, a mesma classificação de José Magalhães em Atlanta-1996, mas com uma marca (4.08.16) que é a 7.ª entre 15 presenças portuguesas na distância mais longa do programa olímpico do atletismo.

No mesmo dia, ao início da tarde, com a mesma temperatura (24ºC) e a mesma humidade (77% a 80%) da prova matinal do homens, os 20 km femininos apresentavam três portuguesas entre as 74 concorrentes à partidas: as experientes Ana Cabecinha e Inês Henriques e a estreante Daniela Cardoso.

Ana e Inês marcariam desde cedo uma posição no grupo das primeiras, mostrando estar nos Jogos para obterem as melhores classificações olímpicas de cada uma. Só à entrada para a segunda metade da competição Inês Henriques começou a ceder, mas nunca comprometendo uma boa classificação dado ter-se mantido pelos 11.º e 12.º lugares. Ana Cabecinha cederia mais adiante, ficando pelos 6.º / 7.º lugares, ora atrasando-se das da frente, ora recuperando e recolando. Até à definição final das posições, com Ana Cabecinha a melhorar dois lugares o oitavo posto conseguido em Pequim-2008 e em Londres-2012, agora com 1.29.23 h, enquanto Inês Henriques, 12.ª com 1.31.28 h, melhorava o 14.º lugar de Londres-2012 mas não a marca aí realizada (1.29.54).

Lá mais para trás, Daniela Cardoso conseguia uma boa subida na classificação com o passar das voltas. Iniciaria a prova aí pelos sexagésimos lugares, rodando quase sempre entre 4.44 e 4.51 minutos por quilómetro. Uma excelente regularidade que permitiu cortar a meta num bom 37.º lugar, naturalmente sem as aspirações das consagradas colegas de equipa mas revelando um excelente controlo da condição em que se apresentava em prova.

Sendo facto que nenhum dos marchadores portugueses conseguiu no Rio de Janeiro bater recordes pessoais, não é menos importante assinalar que poucos foram os atletas que conseguiram tal objectivo. Num total de 228 concorrentes nas três partidas, foram registadas as classificações de 175 atletas, com apenas 13 recordes pessoais (dos quais 5 eram recordes nacionais). Trata-se de uma taxa de máximos pessoais muito abaixo do que é costume em grandes competições internacionais, o que atesta as difíceis condições que os marchadores tiveram de enfrentar no Rio de Janeiro.

Após estes Jogos, o total de marchadores olímpicos portugueses sobe para 19 atletas (12 homens e 7 mulheres), totalizando 43 participações em provas. Foram registadas três desclassificações (todas em Barcelona-1992) e quatro desistências, havendo seis classificações nos dez primeiros lugares.