domingo, 21 de janeiro de 2024

1981, o ano Gracioso

Em 1981, os campeões de Portugal, Paula Gracioso e José Pinto (no grupo com o dorsal
172), campeonatos de sub-20, os 20 km nos grandes prémios do CF «Os Belenenses»
(saída do Estádio do Restelo) e de Beja (José Pinto e o espanhol Luís Bueno), a FAMA
nos Olivais Sul (mesa de honra e grupo de participantes), e Alberto Galín e César Gómez
no seminário de marcha na Cruz Quebrada. Fotos: arquivo «O Marchador» e «O Diário».

O nome de Paula Gracioso entrou no que poderia chamar-se «léxico» da marcha portuguesa quando, em 1981, assumiu a condição de grande figura nacional da especialidade no sector feminino. Depois dos primeiros anos de reintrodução da marcha em Portugal, em que surgiram as primeiras raparigas interessadas em treinar-se e competir na marcha, com realce para as atletas de Santa Iria da Azóia e de Oeiras, Paula Gracioso apresentava-se como a primeira dominadora da especialidade, apesar de ser ainda juvenil de primeiro ano (15-16 anos).

Revelando uma maneira de estar muito extrovertida e grande facilidade de assimilação da técnica da marcha, a atleta do Centro de Cultura e Desporto de Olivais Sul (viria anos mais tarde a representar o Andorinha Futebol Clube, o Clube Oriental de Lisboa e o Sport Lisboa e Benfica) assumiu clara preponderância em todas as provas em que alinhou, sagrando-se vencedora, campeã e recordista nacional desde o seu escalão (juvenis) até às faixas etárias seguintes (juniores e absolutos). A 14 de Junho, triunfou nos 2000 m marcha femininos dos Campeonatos Nacionais de Juvenis, na Guarda, com 12.24,6 m, seguida de Idalina Reis (CCD Olivais Sul, 12.58,5) e de Paula Silva (CCD Olivais Sul, 13.24,0) – as únicas em prova. Em 12 de Julho conquistou o primeiro título de campeã nacional de 3000 m marcha femininos de juniores, nos campeonatos do escalão realizados no Estádio da Luz, em Lisboa. Registou 17.24,9 m, adiante de Paula Machado (AD Oeiras, 18.39,5) e de Idalina Reis (CCD Olivais Sul, 19.07,5), numa competição que reuniu nove participantes.

Duas semanas depois, nos Campeonatos de Portugal realizados no Estádio Nacional e competindo sobre a mesma distância, retirou mais de minuto e meia à marca averbada na pista do estádio do Benfica, creditando-se agora com 15.52,6 m, resultado que constituiu novo recorde nacional absoluto, de juniores e de juvenis. O pódio teve a mesma composição de duas semanas antes, mas com todas as atletas a evidenciarem clara melhoria de resultados. Paula Machado foi segunda, com 17.18,6 m, e Idalina Reis, a terceira, com 17.30,9 m, novo recorde nacional de iniciadas (sub-15). Neste campeonato alinharam dez concorrentes.

A imprensa desportiva não deixou de notar que a prova de marcha feminina dos Campeonatos de Portugal, disputada no final da primeira jornada, a de sábado (na segunda jornada, no domingo, disputou-se a prova masculina), tinha sido marcada pela quase total ausência de público, que abandonara o estádio depois de concluídas as provas anteriores do programa. E assinalava que, apesar disso, as provas de marcha tinham sido muito interessantes, sublinhando a circunstância de Paula Gracioso ser uma rapariga muito jovem, de olhos azuis, com a quarta classe feita, desinteressada da escola, pensando em arranjar trabalho e treinando-se três vezes por semana (às vezes nem isso) no campo de futebol do Olivais Sul.

Em 1981, a marcha atlética portuguesa encontrava, assim, em Paula Gracioso, a sua primeira «estrela» feminina, uma atleta que não só demonstrava grande domínio técnico e evidente superioridade competitiva mas também oferecia grandes perspectivas de evolução, porventura até ao nível internacional. E essa era mais uma demonstração do crescimento que a disciplina ia registando no país, ainda a meio da primeira década de reimplantação.

Mas os dois campeonatos em que Paula Gracioso afirmou a sua qualidade tinham ainda mais alguns contornos interessantes. Por um lado, os Campeonatos Nacionais de Juniores (12 de Julho) tiveram a particularidade de serem divididos entre dois espaços: o Estádio da Luz, onde foi disputada a prova feminina dos 3000 m marcha, e o Estádio Nacional, onde tiveram lugar os 5000 m marcha masculinos. Neste último caso, realce para a vitória de Jorge Esteves, (CF «Os Belenenses»), com uma marca também de grande valor, 24.30,8 m, recorde nacional de iniciados e juvenis. Jorge Esteves estava no início de um percurso que o levaria depois à condição de internacional, mas em 1981 era um jovem principiante, com apenas 15 anos de idade. No segundo lugar posicionou-se Pedro Machado (AD Oeiras, 26.20,9), sendo o pódio fechado por Paulo Machado (AD Oeiras, 26.45,2), numa prova com dez participantes.

Por outro lado, aquelas provas traduziram a incorporação crescente da marcha atlética nos programas dos campeonatos nacionais de atletismo dos diferentes escalões. Se em 1974 e 1975 a disciplina era quase totalmente desconhecida em Portugal, em 1981 já justificava honras de inclusão nos mais importantes campeonatos de atletismo do país, num evidente reconhecimento do interesse e do desenvolvimento que a marcha revelava, em grande medida pelo empenho depositado na sua divulgação pelos atletas e dirigentes mais empenhados e integrados nas estruturas directivas da Associação de Atletismo de Lisboa (AAL) e da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA).

No sector masculino, os referidos campeonatos também produziram resultados significativos, além do já mencionado para os juniores. Nos nacionais de juvenis da Guarda (jornada de sábado, 3 de Junho), coube também ao belenense Jorge Esteves a vitória nos 3000 m marcha masculinos, com 15.42,1 m, à frente de Raul Francisco (CCD Olivais Sul, 16.55,0), numa prova com quatro participantes. Nos Campeonatos de Portugal, durante a jornada de 26 de Julho, os 20 km masculinos em estrada foram ganhos por José Pinto (CF «Os Belenenses»), em 1.42.05,0 h. No pódio teria a companhia de Hélder Oliveira (SC Olhanense, 2.º, 1.43.08,0) e de Francisco Reis (CF Santa Iria, 3.º, 1.46.02,0), tendo havido mais sete participantes. Respondendo aos jornalistas, o campeão José Pinto manifestou o desejo de que os órgãos de informação dêem mais atenção à marcha, tendo lamentado que no mês anterior nenhum jornal tenha notado que um português (ele próprio) tinha vencido uma prova em Beja, impondo-se aos participantes espanhóis, que classificou como «muito mais evoluídos do que nós».

José Pinto referia-se à primeira edição do Grande Prémio Planície Dourada, organizado em Beja pelo Clube de Atletismo Pax Julia e levado a efeito em 7 de Junho. A jornada contou com 61 participantes, de todos os escalões, tendo José Pinto ganho os 20 km masculinos com 1.40.50,8 h e impondo-se dessa maneira ao consagrado espanhol Luís Bueno, segundo classificado, com 1.42.15,5 h. O algarvio Hélder Oliveira, do Sporting Clube Olhanense, foi terceiro, com 1.44.30,7 h, numa prova que reuniu 28 atletas à partida e 23 na meta. No sector feminino, vitória para Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), nos 3 km, com 18.00,3 m, à frente de Evelina Fernando (CF Santa Iria, 18.03,6) e de Paula Machado (AD Oeiras, 19.07,4), entre dez concorrentes.

O mesmo José Pinto e o colega Francisco Reis (CF Santa Iria), tinham tido no segundo fim-de-semana de Maio uma importante experiência internacional (a primeira para qualquer deles). A 9 de Maio, no Encontro Triangular Barcelona-Madrid-Lisboa levado a efeito na pista do Estádio Joan Serrahima, Pinto fora segundo na prova extra de 10 mil metros marcha masculinos, com 47.32,0 m, numa prova ganha por Miguel Ángel Prieto (Madrid), com 46.11,1 m. Francisco Reis seria terceiro, com 47.54,6 m, adiante de Lozano Albareda (Catalunha, 48.54,3), tendo sido desclassificados dois atletas de Barcelona e um de Madrid.

No dia seguinte, 10 de Maio, estreia portuguesa no renomado Grande Prémio de Marcha Atlética de L'Hospitalet (13.ª edição), com vitória nos 20 km masculinos para o consagrado José Marín (CN Barcelona), em 1.23.54 h, seguido de Jordi Llopart (La Seda, 1.25.39) e de Erling Andersen (Noruega), 1.27.53. José Pinto foi 15.º, 1.41.14, entre 48 concorrentes classificados. Francisco Reis ficou entre os desistentes.

Se a vertente do treino e da competição iam dando à marcha e aos marchadores capacidade para assumirem novos protagonismos no panorama desportivo nacional, também a componente organizativa dava passos no mesmo sentido, contribuindo para reforçar a capacidade de desempenho dos vários tipos de intervenientes. Foi nesse quadro que de 11 a 13 de Dezembro foi realizado o primeiro seminário sobre marcha atlética realizado em Portugal, iniciativa que teve lugar no Centro de Estágio da Cruz Quebrada e contou com a presença de duas dezenas de participantes, entre atletas, treinadores e juízes, vindos de Olhão, Beja e Viseu, além dos provenientes da área de Lisboa. A lista de preletores incluiu Alberto Galín e Cesar Gómez, da Escola de Marcha de Sant Celoni (Barcelona), que nos anos precedentes já tinha formado campeões e outros medalhados em campeonatos da Europa de atletismo e em Jogos Olímpicos.

Em entrevista para a «Gazeta dos Desportos» concedida ao jornalista Artur Madeira (que também coordenou o curso, em representação do Instituto Nacional dos Desportos), o director do seminário, Aires Denis, resumiu a importância do encontro nos seguintes termos: «Este seminário, embora de curta duração, foi extremamente útil, porque os ensinamentos colhidos foram significativos, dada a experiência dos técnicos espanhóis que aqui estiveram. Estou em crer que este seminário terá sido de extrema importância para um possível e esperado progresso da marcha.»

Perante o reconhecimento do caminho que havia que percorrer no sentido do desenvolvimento técnico, administrativo e de ajuizamento da marcha, esta iniciativa afirmava a consciência de que a aprendizagem teria de ser feita com aqueles que melhor conheciam a marcha atlética nas suas diferentes vertentes. E, para o efeito, nada melhor do que aproveitar o conhecimento dos vizinhos espanhóis, muito mais avançados em todos os aspectos relacionados com a disciplina, ostentando já um histórico de décadas de prática e divulgação da marcha e de grandes resultados nas grandes competições internacionais, tanto nos Jogos Olímpicos e nos europeus de atletismo (ainda não havia mundiais de atletismo) como nas Taças do Mundo de Marcha (ainda não havia Taças da Europa).

Meses antes, em 21 de Março, já a FPA aprovara em congresso a regulamentação dos campeonatos nacionais de marcha em estrada e em pista, momento importante que viria a ter reflexos nos anos seguintes, não apenas com a definição das distâncias das competições em questão mas sobretudo por prever a realização de campeonatos de estrada, que ainda não existiam e viriam a constituir ao longo do tempo importantes momentos de mobilização da comunidade marchadora portuguesa, transformando-se rapidamente em objetivos importantes de atletas e clubes em cada nova época desportiva. Por curiosidade, assinale-se que a proposta de Regulamento Técnico em que se incluía a regulamentação das referidas provas de marcha registou na votação a oposição dos representantes das associações de Coimbra, Guarda e Viseu e a abstenção de Faro.

O final do ano, ainda antes do seminário referido atrás, conheceu uma estreia em matéria festiva da marcha portuguesa: a primeira FAMA (Festa Anual da Marcha Atlética), levada a efeito em 5 de Dezembro, no Palácio do Contador-Mor (Olivais Sul, Lisboa). A festa serviu para recordar um ano de atividade da disciplina e para galardoar os melhores do ano, numa prática que se manteria ao longo de muitos anos. Assim, a votação por júri composto de treinadores, dirigentes e jornalistas, resultou na seguinte eleição: marchador do ano, José Pinto (CF «Os Belenenses»); revelação do ano, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul); dirigente do ano, Luís Dias (AAL). A primeira FAMA, cujo programa incluiu ainda uma exposição fotográfica e um colóquio, teve repercussão importante na imprensa nacional, com realce para as reportagens publicadas por jornais como «Diário de Notícias», «O Diário» e «Gazeta dos Desportos».

De seguida, um resumo das principais provas realizadas ao longo do ano e não mencionadas atrás.

22 de Março e 31 de Maio, II Grande Prémio do CF «Os Belenenses», Restelo (I e II fases). I fase, 20 km masculinos jun/sen/vet: 1.º, Paulo Alves (CF Santa Iria), 1.39.32,0; 2.º, José Pinto (CF «Os Belenenses»), 1.39.41,2; 3.º, Carlos Albano (CP Minas da Urgeiriça), 1.42.53,4 (15 participantes). II fase, restantes escalões, 3000 m femininos, geral: 1.ª, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 17.19,4 (1.ª juv); 2.ª, Evelina Fernando (CF Santa Iria), 17.31,1 (1.ª sén); 3.ª, Paula Machado (AD Oeiras, 1.ª júnior), 19.34,4 (32 participantes).

28 de Março, I Grande Prémio do Clube de Futebol de Santa Iria (homenagem a Paulo Alves; todos os escalões, 112 participantes, 13 clubes). 10 km masculinos: 1.º, José Pinto (CF «Os Belenenses»), 47.55,4; 2.º, Paulo Alves (CF Santa Iria), 47.58,0; 3.º, Francisco Reis (CF Santa Iria), 49.36,6 (9 participantes). 5 km femininos (juv/jun/sen): 1.ª, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul, 1.ª juvenil), 30.12,9; 2.ª, Evelina Fernandes (CF Santa Iria, 1.ª sénior), 30.17,9; 3.ª, Paula Vitorino (CF Santa Iria, 2.ª sénior), 30.18,9 (11 participantes).

25 de Abril, Grande Prémio de Oeiras (org. AD Oeiras), 57 participantes (vários escalões). 10 km masculinos, geral: 1.º, José Pinto (CF «Os Belenenses»), 43.55,1; 2.º, Hélder Oliveira (SC Olhanense), 47.50,9; 3.º, Paulo Vieira (CF «Os Belenenses», 1.º júnior), 48.26,0 (12 participantes). 4 km femininos: 1.ª, Paula Machado (AD Oeiras), 26.32,1; 2.ª, Ana Batuca (AD Oeiras), 28.39,5; 3.ª, Teresa Coelho (AD Oeiras), 29.11,3 (4 participantes). Nota: neste mesmo dia realizaram-se ainda provas no Barreiro para todos os escalões (org.: GD 1.º Maio) e a 1.ª jornada dos Campeonatos de Lisboa de Juvenis (masculinos, pista do Estádio da Luz).

3 de Maio, VI Grande Prémio da Urgeiriça (org. CP Minas da Urgeiriça), 113 participantes (vários escalões). 20 km masculinos: 1.º, José Pinto (CF «Os Belenenses»), 1.39.59,8; 2.º, Paulo Alves (CF Santa Iria), 1.40.08,0; 3.º, Hélder Madeira (AD Beja), 1.41.29,0 (12 participantes). 5 km femininos, geral: 1.ª, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul, 1.ª juvenil), 30.24; 2.ª Evelina Fernando (CF Santa Iria, 1.ª sénior), 30.55 (11 participantes).

20 de Dezembro, Grande Prémio de Natal (org. AA Lisboa), 6,4 km (do Estádio da Luz aos Restauradores), 16 participantes: 1.º, José Pinto (CF «Os Belenenses»), 27.16,3; 2.º, Hélder Oliveira (SC Olhanense), 27.22,4; 3.º, Francisco Reis (CF Santa Iria), 27.26,5.

Num trabalho do Departamento de Marcha da Associação de Atletismo de Lisboa, foi elaborado no final da época um Balanço Geral com listas nacionais do ano e de sempre, relação de provas e recordes nacionais vigentes, com base em provas realizadas em pista (excluindo, portanto, 20 km em estrada). De notar a presença de novos marchadores, nos jovens, como Jorge Esteves, Idalina Reis e Paula Gracioso, e nos absolutos, como Francisco Reis, Hélder Oliveira e, mais uma vez, Paula Gracioso. Transcreve-se de seguida os recordes fixados para 1981 e obtidos neste ano.

Masculinos
Iniciados, 5000 m, Jorge Esteves (CF «Os Belenenses»), 24.30,8 (12-7-1981)
Juvenis, 5000 m, Jorge Esteves (CF «Os Belenenses»), 24.30,8 (12-7-1981)
Juvenis, 10.000 m, Jorge Esteves (CF «Os Belenenses»), 53.54,9 (9-5-1981)
Seniores, 5000 m, Francisco Reis (CF Santa Iria), 21.47,4 (31-5-1981)
Seniores, 10.000 m, Hélder Oliveira (SC Olhanense), 46.10,9 (9-5-1981)

Femininos
Iniciadas, 3000 m, Idalina Reis (CCD Olivais Sul), 17.30,9 (25-7-1981)
Iniciadas, 5000 m, Idalina Reis (CCD Olivais Sul), 32.12,8 (2-8-1981)
Juvenis, 2000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 10.40,0 (26-4-1981)
Juvenis, 3000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 15.52,6 (25-7-1981)
Juvenis, 5000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 30.30,0 (2-8-1981)
Juniores, 3000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 15.52,6 (25-7-1981)
Juniores, 5000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 30.30,0 (2-8-1981)
Seniores, 3000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 15.52,6 (25-7-1981)
Seniores, 5000 m, Paula Gracioso (CCD Olivais Sul), 30.30,0 (2-8-1981)