Quem acompanha a actividade da
marcha atlética em Portugal terá notado que o calendário nacional da época em
curso volta a incluir uns campeonatos nacionais de 50 km. Esse é um facto
assinalável e muito bem-vindo. Na primeira versão do calendário apontava-se
para campeonatos de 35 km, sem se saber se eram para masculinos, femininos ou
ambos. Depois estabeleceu-se que seria para masculinos e femininos, juntando-se
entretanto a alternativa de 50 km para ambos os sexos.
É aqui que surge a estranheza. Nas
últimas duas épocas, a Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) entendeu
inusitadamente que a quantidade de interessados não justificava a realização de
campeonatos na distância olímpica superior. Foram fracas as justificações
invocadas, mas sobre esse assunto já aqui se disse o suficiente, não valerá a
pena aprofundá-lo agora. A questão é: o que terá levado a federação a retomar
como por artes mágicas os campeonatos de 50 km marcha?
Para contextualizar, lembremos que,
após os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a atleta Inês Henriques, falando
sobre o seu futuro desportivo, manifestou o desejo de ser mãe e de tornar-se a
primeira mulher portuguesa a fazer os 50 km. O primeiro desses objectivos é do
foro estritamente pessoal; o segundo quadra bem com a tendência estimulada pela
Associação Internacional de Federações de Atletismo (AIFA) para envolver também
o sector feminino nas competições oficiais de 50 km marcha.
Com o passar do tempo e após a AIFA
ter anunciado que iria reconhecer um primeiro recorde mundial feminino de 50 km
marcha, começaram a circular informações segundo as quais Inês Henriques
tencionaria tentar a honra de ser a primeira recordista mundial da distância.
Louvável objectivo, esse, que muito glorificaria a atleta e honraria a marcha
atlética portuguesa.
Só que, ao mesmo tempo, a FPA
anuncia, sem qualquer explicação, que afinal haverá campeonatos nacionais de 50
km marcha, destinados a masculinos e a femininos.
Conhecendo-se a realidade da marcha
em Portugal, detecta-se de imediato a contradição federativa: se em 2015 e 2016
não pôde haver campeonatos nacionais masculinos de 50 km por alegadamente não
haver quantidade de interessados que justificasse a prova, por que razão decide
a FPA levar a efeito pela primeira vez um campeonato feminino em que não se
previa (nem se confirmou) haver mais do que uma interessada?
Já se sabia que a argumentação da
FPA era tosca para justificar a eliminação dos 50 km dos nacionais de marcha em
estrada dos últimos anos. O que ninguém imaginava era que bastaria a ambição
(legítima e louvável, entenda-se) de uma atleta para fazer reverter os
argumentos da federação tendentes a interromper a história dos campeonatos
nacionais de 50 km marcha ao fim de praticamente 30 anos.
A edição de 2017 dos nacionais de 50
km marcha (masculinos e femininos) tem lugar este domingo em Porto de Mós.
Neles, Inês Henriques vai tentar obter marca capaz de permitir-lhe vir a ser
reconhecida pela AIFA como primeira recordista mundial feminina de 50 km
marcha. Oxalá venha a ter sucesso, já que a atleta merece a honra que procura!
E, já agora, fazemos votos de que,
caso venha a ser reconhecida como primeira recordista mundial da distância,
estabeleça desde já para 2018 o objectivo de bater esse recorde. Pelos vistos,
é o único critério para haver em Portugal campeonatos nacionais de 50 km
marcha. Masculinos e femininos.