sábado, 28 de janeiro de 2012

Pedro Peixoto, um adepto "globetrotter"

Susana Feitor e Pedro Peixoto, em Chihuahua,
México (2010). Foto: blogue S.Feitor.
Pedro Peixoto tem 57 anos, embora não pareça, e há mais de 30 anos que percorre o mundo a ver, entre outras coisas, atletismo. Em criança acompanhava o tio que era cronometrista, mas foi com a inauguração do tartan na pista do Jamor que começou a acompanhar mais assiduamente. Em 1979, no seu primeiro interrail, fez paragens em Bruxelas e Zurique, para assistir aos respectivos meetings. Aí viu o primeiro dos 49 recordes do mundo que já presenciou, entre ar livre, pasta coberta e (claro!) marcha.

Ao que se sabe, é o único português que esteve em todos os 13 Campeonatos do Mundo (de pista ao ar livre) já realizados. Já viu atletismo em 78 cidades (e vilas, e aldeias!) de 23 países, de Tóquio a Eugene, de Glasgow a Doha (há espaço para melhoramento, a sul...). É adepto do Atletismo Global, sendo capaz de se deslocar tanto a Halle para o meeting de lançamentos como a Filadélfia para as Penn Relays, a Gotzis para as provas combinadas como à Corunha para os "Cantones", o que o faz ser erroneamente tomado por um fã da Marcha Atética. Desde 2001 é presença regular em Rio Maior, viu três Taças do Mundo de Marcha (Naumburg 2004, Corunha 2006 e Chihuahua 2010) e outras tantas Taças da Europa (Lemington 2007, Metz 2009 e Olhão 2011) e nos grandes campeonatos não raro prescinde das eliminatórias da manhã e até de algumas provas do decatlo ou do heptatlo (!) para acompanhar as competições de marcha.

A marcha como uma festa

Quem, despreocupadamente, passasse por Rio Maior em certa tarde primaveril poderia até pensar que era dia de romaria: transito cortado, música alta, animação nas ruas. Mas não, era o Grande Prémio de Marcha Atlética que em ambiente de festa traz à rua locais e forasteiros. A integração no Olimpo da marcha atlética, o Challenge Mundial, poderá até ter aumentado o número de forasteiros a acorrer à cidade ribatejana naquele sábado de Abril, mas não são os campeões olímpicos e mundiais que fazem os riomaoirenses sair de casa: estão lá os filhos da terra em compita com os melhores do mundo – ou não fossem eles dos melhores do mundo – e isso é motivo suficiente para celebrar. E festa repete-se, anos após ano, tanto em Rio Maior como em Chihuahua ou na Corunha, para só falar do que tive ocasião de presenciar.

Nos últimos anos a marcha afastou-se das pistas que acolhem os grandes certames de atletismo. É certo que as competições sempre decorreram do lado de fora das bancadas, mas sem nunca se afastarem muito da sombra dos estádios que, como é sabido, se situam geralmente longe dos centros das cidades. O pontapé de saída foi dado por Berlim 2009 onde, pela primeira vez, as provas de marcha não partiram nem chegaram ao estádio sede do campeonato. É sabido que a Alemanha é um país de grandes tradições na especialidade, berço de campeões como Ronald Weigel e Hartwig Gauder, mas ainda assim não foi sem surpresa que se viram dezenas de milhares de pessoas em festa ao longo dos dois quilómetros do percurso traçado na mítica Unter den Linden (sob as tílias, em tradução literal) que liga o centro histórico de Berlim à não menos mítica Porta do Brandemburgo, onde se instalou a meta, incentivando e vitoriando todos os marchadores, independentemente da camisola que vestiam. O sucesso foi tal que nos campeonatos seguintes, Barcelona 2010 e Daegu 2011, a receita foi repetida e com igual êxito. E este verão, pela primeira vez as competições de marcha duns jogos olímpicos terão lugar no centro da cidade. E até eu próprio, tão avesso à confusão dos jogos olímpicos – aí incluída a confusão para conseguir bilhetes – já comprei as passagens aéreas para Londres nesse fim de semana J.

Mas em lugar algum presenciei o ambiente de festa a tomar completamente conta de uma prova de marcha como na final do challenge 2008, em Múrcia. Aí também um ídolo teve o papel deflagrador. Nesse caso não foi um ídolo local, foi o ídolo de todo um povo! Era a última prova de Jefferson Perez e tudo quanto era equatoriano radicado em Espanha (e se calhar não só: quando pela primeira vez apareci numa Taça do Mundo de Marcha com uma bandeira portuguesa, toda a bendita selecção nacional pensou que eu era emigrante…) acorreu à cidade do Levante para se despedir do herói nacional. Debaixo de um calor tórrido, milhares vitoriaram o ídolo e pouco importou que ele se tivesse ficado pelo 3º lugar. Era o campeão olímpico, o seu campeão olímpico, que tantas alegrias lhes tinha dado, exemplo impar de coragem e perseverança, mas também de modéstia e simplicidade, que se ia. E era toda uma nação que ali lhe estava, em festa, a agradecer-lhe pela última vez.

Nessa manhã de setembro que parecia dos nossos agostos mais quentes, Susana Feitor tentava apagar a decepção de uma participação olímpica frustrante. Com a determinação que a caracteriza levou de vencida tanto as adversárias como os 35º do meio-dia a que acabou a prova. E eu lá a ia incentivando. Mas se não se tem dúvidas que quarenta mil pessoas num estádio, a apoiar uma equipa ou um atleta, não pode deixar de resultar, já um desgraçado sozinho na multidão, por muito que grite, que efeito pode isso ter?

Anos mais tarde, em Chihuahua, após o momento de maior glória da marcha portuguesa, Susana evocava-me essa manhã de Múrcia em que, contou, sofria cada volta levando sempre na ideia que, dali a umas centenas de metros, teria outra vez não apenas as esponjas, não apenas as garrafas de água, mas também uma palavra de incentivo. Obrigado campeã!


Pedro Peixoto